Domingo passado fui para a rua da boemia assistir à apuração. Eu esperava que houvesse alguma comemoração, mesmo com o resultado apertado garantido pelas máquinas de votar sem recontar (e voto que não pode ser recontado é voto misterioso). Mas eu não estava pronto para o que vi. Nunca na minha vida, jamais, em momento algum vi tanta alegria na rua de uma vez só, nem mesmo quando o Brasil ganhou Copa do Mundo. A felicidade era tanta que um bebezinho de poucos meses, no colo da mãe, batia palminhas e guinchava de alegria, contagiado pelo ambiente. Carreatas e motociclistas barulhentos rodeavam por todos os lados por horas; bandeiras verdes e amarelas tremulavam. O que se via ali era a libertação tardia de um país inteiro, que estava sendo mantido refém por seus piores inimigos. Era a esperança de ter o país de volta vencendo os medos absurdos pregados por agentes de ideologias alienígenas.
Quando, durante a campanha, a esquerda acusava Bolsonaro de não ter programa eleitoral, a minha resposta era sempre a mesma: ele tinha, sim, uma única proposta. Ele foi eleito presidente para garantir que o governo deixe de trabalhar contra; o resto é detalhe. Em um país que se desespera por ter quatro vezes mais assassinatos por ano que os EUA com uma população bem menor, ele afirma ter a segurança pública como prioridade, ao invés de enterrar dinheiro público na criminalização de quem não aceita que um rapagão torne-se magicamente uma mocinha núbil ao vestir um vestidinho de chita. Em um país em que enorme parcela da população sai analfabeta de doze anos de escolaridade obrigatória, ele afirma que dará prioridade ao ensino de ler e escrever, contar e se localizar, ao invés de fazer da escola um centro de doutrinação esquerdista, com “lacração” no lugar de instrução. Em um país em que o esgoto da maioria ainda não é tratado e, nos hospitais, pacientes morrem nos corredores por falta de insumos básicos, ele pretende deixar de lado as operações de “mudança de sexo” em prol do saneamento básico e das ações em prol da saúde.
Deveria ser evidente, mas não é. Após o fim dos governos militares, a esquerda subiu ao governo e, trêfega e bêbada com o poder que lhe coube (ainda menor que o dos sonhos de Zé Dirceu, Frei Betto e Lula, mas já excessivo), passou a usar sistematicamente o governo para desmanchar e mutilar a cultura de tolerância que a colocou lá. Sistematicamente, a esquerda tentou jogar os filhos contra os pais, os “negros” contra os “brancos” (parece piada, neste país felizmente tão mestiço; mas mesmo assim fizeram o que conseguiram neste sentido), os “homossexuais” contra os “heterossexuais” (como se desejos sexuais devessem, ou mesmo pudessem, servir de foco identitário), os pobres contra os remediados, os ateus contra os tementes a Deus, os ciclistas contra os motoristas, o Diabo contra todos. As políticas identitárias, à base de “quanto pior melhor”, das esquerdas tentaram desmanchar o coeso tecido social de nosso país, usando toda e qualquer minoria que conseguissem aparelhar como arma contra a cultura geral, como instrumento de desmanche da sociedade, como meio de normalização do anormal e criminalização do normal. Em suma: fizeram de uns poucos avatares do caos para atacar os muitos.
O papel de Bolsonaro ao longo deste longo e negro período foi, inicialmente, o de bobo da corte, como escrevi nesta mesma coluna há quase sete anos. Era proibido levantar a voz contra os ditames da esquerda, que eram apresentados como se fossem novas leis da física ou da química. Num dia o matrimônio só tinha por inimigo o divórcio; no dia seguinte, deveria ser evidente que “casar-se” seria um direito sem restrições, podendo cada pessoa unir-se a quantas outras quisesse, de quaisquer sexos. Quem quer que não se mantivesse a par e não desse entusiástico apoio ao delírio mais recente das esquerdas via-se transformado em monstro da noite para o dia. Ah, e os sexos, estes também foram, da noite para o dia substituídos por uma infinitude de “gêneros”, categoria gramatical que deveria abranger apenas o masculino, o feminino e o neutro. E ai de quem ousasse mencionar que sexos são biológicos! E, neste meio, sozinho, Bolsonaro exagerava no sentido oposto. É perfeitamente simbólica sua foto pregando diante do Congresso uma faixa em que chamava os desarmamentistas de “otários”, no triste momento histórico em que o governo simplesmente ignorava o resultado do plebiscito em que a população brasileira dissera “não” às mentiras da esquerda.
Sozinho, sem apoio, sem base, sem partido que não a legenda de aluguel que o houvesse aceitado no momento, lá estava ele a bradar contra cada um dos horrores que a esquerda realmente acreditava estar conseguindo fazer de substitutos da sensatez tradicional da nossa população. Mas não. O povo brasileiro jamais aceitou o discurso da esquerda; como, contudo, era calada toda e qualquer voz que contra este discurso se levantasse, ou mesmo que não demonstrasse suficiente entusiasmo ao ser apresentada à sua mais recente encarnação, viu-se o povo forçado a aceitar calado. A princípio por gentileza; não faz parte de nossos hábitos confrontar abertamente nossos governantes. Depois, pelo medo: não era saudável para a carreira (e mesmo para a saúde) de ninguém fazê-lo. Mas Bolsonaro fez o oposto, e colocou-se de modo igualmente sistemático na oposição. Ele foi a única oposição constante num Congresso comprado pelo PT com apoio inconteste e absoluto duma alta sociedade e duma mídia que fizeram do apoio ao desmanche petista das instituições um seu projeto prioritário.
Foi daí que ele surgiu. Antes da campanha eu dizia que se ele tivesse tempo de TV ganharia, pela simples razão de ser anticomunista. O próprio Lula já se havia orgulhado de ter ao seu redor, numa dessas campanhas presidenciais, apenas candidatos da esquerda. Bolsonaro, agora, tinha a seu enorme favor ser o único que não o era. Mas como poderia vir a ser conhecido? Foi aí que a tentativa de assassinato jogou a seu favor, dando-lhe uma exposição midiática que normalmente não teria. E a população então o descobriu.
Eu, até por vício profissional, presto atenção no Congresso. Mas sou a exceção, claro. O grosso da população sequer se lembra do nome do candidato em que votou poucos dias atrás. Mais ainda no caso de Bolsonaro, que surgiu e fez carreira no Estado do Rio, reduto esquerdista tradicional. Era questão, assim, de ele ser descoberto, como quem acha um tesouro enterrado num campo e compra o campo para escavá-lo. Foi o que a facada lhe facultou.
Ao longo da campanha, jogadas baixas e sujas sucederam-se céleres; cada vez que se via que, por exemplo, falsas suásticas não haviam funcionado, uma briga de bêbados virava atentado político, para logo depois passar-se a um suposto escândalo do Zap totalmente fabricado pelo partido que fez do caixa dois uma forma de arte. De lá partiu-se para o terror mais abjeto, inventando mentiras grotescas acerca não só de Bolsonaro, como de supostos crimes futuros que ele inexoravelmente iria cometer. Crimes futuros, como num filme de Hollywood! Na reta final, a sinalização de virtudes da extrema-esquerda abriu-se em seu ódio mais declarado aos mal-lavados, com estreletes globais tapando o nariz e montando barraquinhas nas praças e shoppings para explicar ao povo burro e ignorante que ele poderia ser educado pela augusta presença delas. No dia mesmo da eleição, com a sutileza de um elefante, preferiram jogar a toalha e chamar de burra toda a população, indo votar com livros na mão, como estandartes probativos do Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos da Classe Média Esquerdinha. Vejam, pretos, pobres e mal-lavados em geral: eles têm livros em casa! Está assim provado que são seus superiores e que devem ser ouvidos!
Mas mesmo este teatrinho de nada funcionou. Mentiras não funcionaram, ameaças não funcionaram, xingamentos não funcionaram, crimes precognitivos não funcionaram. Nada funcionou, pela única e simples razão de que a população já está mais que farta das esquerdas e suas mentiras, mais que farta de ver o governo sendo usado contra seus interesses e amores mais caros. Bolsonaro foi eleito, mesmo com apenas oito segundos de tempo “gratuito” de TV, mesmo sem conchavos eleitoreiros, pelo simples expediente de tornar-se conhecido como alternativa disponível. Era só o que lhe era necessário, e foi isso que ele teve, graças ao ex-membro do PSol que tentou rearranjar-lhe as entranhas. Qualquer alternativa à continuação do domínio esquerdista seria abraçada entusiasticamente pela população, mas era ele que estava no lugar certo na hora certa.
É da cultura brasileira não dizer “não”; os gringos que vêm para estas bandas ficam loucos com isso. Dizemos “mais tarde”, “talvez”, e – se formos encostados na parede – dizemos, constrangidos, “sim”, apenas para agirmos depois como se houvéssemos dito “não”. Não faz parte da nossa cultura bater de frente. É por isso, e apenas por isso, que o plano das esquerdas, tão infalível quanto um plano do Cebolinha, deu com os burros n’água. Eles tomaram a ausência de um “não” por um sim, quando era apenas uma cortesia básica na nossa cultura. E assim foram avançando um sinal atrás do outro, deixando todo mundo tremendamente constrangido com a descortesia deles, até a hora em que já acharam seguro mandar calar a boca dos adversários. Que eles não sabiam, mas eram a quase totalidade da população brasileira. Até lá ninguém – fora Bolsonaro – bateu de frente. Ninguém – fora Bolsonaro – negou-se em público a participar do teatrinho pelo qual “raças” importariam, sexos seriam trocados como roupa de baixo, aborto faria bem às mulheres e seriam de interesse da população todas as pautas da esquerda americana que financia a esquerda brasileira para lutar a guerra cultural que esta tenta vender como de sua autoria.
Quando o nível da palhaçada foi longe demais, quando as pessoas começaram a ver que tratar os loucos da esquerda com educação não estava funcionando e que o PT não pretendia nem largar o osso nem mudar de planos, o povo brasileiro apoiou-se no Bolsonaro, levantou-se gentilmente e afastou a esquerda do governo como quem tira um gatinho do colo. Sem violência, sem choque frontal, de maneira perfeitamente adequada à nossa cultura. Toda a boçalidade da campanha foi de mão única, da facada às acusações delirantes de corrupção, nazifascismo e mesmo burrice. Evidentemente, todavia, no vasto repertório de mentiras da esquerda estava a especialmente rebarbativa afirmação (aliás também chupinhada da esquerda americana) de que o ódio que eles vomitavam contra o povo todo inteiro seria apenas uma resposta a um ódio que eles – e só eles – teriam conseguido descobrir em algumas piadas de mau gosto que o Bolsonaro fez décadas atrás.
Era a esquerda globalista contra o povo brasileiro, ali representado por um sujeito que soube espertamente deixar bem claro que era apenas um brasileiro médio, comum, normal. Ele poderia ter sido trocado por um taxista aleatório, como já escrevi aqui, e não haveria grande diferença. Na reta final da campanha, então, ele fez questão de mostrar que usava meias velhas, que o porco do seu filho bebia água direto da jarra, etc. Ninguém ali fez Socila, via-se claramente. E era exatamente este o recado que deveria ser dado para que ganhasse, e ganhou. É o oposto diametral da agressiva sinalização de virtudes da esquerda e seus livros novinhos, escolhidos a dedo pelo título e levados para passear na zona eleitoral como forma de xingar todo mundo. Sinceramente, prefiro a faixa do Bolsonaro.
Ao contrário da esquerda e de seus planos infalíveis para chegar a uma utopia que mais fede a distopia, ele não tinha, nunca teve, nenhum plano que não fazer com que o governo pare de trabalhar contra. Contra a cultura, contra a moral, contra a sociedade brasileira. Ele só precisava deixar claro que ele poderia ser seu vizinho, sempre disposto a ouvi-lo e já tão cansado quanto você de ter que se desdobrar para atender aos delírios sempre cambiantes do discurso obrigatório com que a esquerda acreditava ter conseguido sobrepujar séculos, milênios mesmo, de cultura. É isso que a esquerda nunca conseguiu entender, mesmo porque para eles não há nada mais digno de desprezo que uma pessoa comum. Eles inventaram um bolsomonstro fascista hipercentralizador, por pensarem apenas em termos de centralização e por obedecerem às ordens emanadas de um sarcófago ora abrigado na carceragem da PF de Curitiba. Já o povão via as fotos e vídeos do Bolsonaro em casa, magrinho, tadinho, por conta da facada, com a filhinha levando-lhe água e os amigos ao redor, e se identificava. Mas a esquerda não conseguia entender o que estava vendo, e preferia ficar combatendo frases infelizes que ele proferiu vinte anos atrás como se elas fossem um plano de governo. Enquanto isso, no plano de governo dela estava soltar mais criminosos. Sério. Só alguém que jamais pisa numa calçada poderia achar que soltar bandido rende votos no Brasil de hoje.
A questão agora é o que virá. Algumas coisas são evidentes: o vitimismo da esquerda vai ser exponencialmente exacerbado pelo tão triste fato de eles não serem mais capazes de mandar calar a boca de todo mundo que pense diferente. Passeatas esquerdistas degringolarão em violência e vandalismo, e cada borrachada da PM será apresentada como uma agressão fascista. A diferença, todavia, é que até há pouco a população brasileira aceitou esse bestialógico todo por educação; assim como não se contradiz abertamente um avô meio gagá, não é de bom tom, na nossa cultura, bater de frente contra o governo ou a mídia. Mas esta mesma população já viu onde isso vai dar, e já viu que é ela que morre no fim do filme. É por isso que o Bolsonaro foi eleito.
Suas medidas mais prováveis no campo econômico e de segurança – desburocratização, diminuição de impostos, revogação da absurda legislação desarmamentista, etc. – tendem a florescer em bons resultados. Mas não é para isso que ele foi eleito. Sua candidatura foi uma candidatura negativa: ele foi eleito para que o governo deixasse de trabalhar contra, ele foi eleito para tirar do poder as esquerdas. Basta-lhe, assim, cumprir esta promessa única de campanha, e deixar que os travestis andem de minissaias, sem contudo obrigar os demais a fingir que se trata de normalistas. Deixar que a população honesta se defenda e que a polícia combata o crime, sem que o governo tome as dores dos criminosos. Deixar que as pessoas trabalhem e usufruam do dinheiro que ganharam, sem que os impostos lhes arranquem tanto dele.
É pouco, e quase nada em termos de ações positivas. Para que o governo Bolsonaro dê certo, basta abster-se de ações positivas e tirar as garrinhas do Estado de onde ele não tem razão para estar. Não é difícil, e ao mesmo tempo – num sistema político viciado em presidencialismo de compadrio – é dificílimo. Há muita gente que vive de leis iníquas neste país (a indústria da CNH, as tomadas de três pinos, tudo isso aponta para uma parceria doentia entre interesses particulares e políticos venais), e estes terão de ser aos poucos retirados da jugular do brasileiro. Mas o papel de cada cidadão para que tudo dê certo é também simples: assumir as responsabilidades próprias e não querer que o governo faça o que compete a cada um fazer. Fazer oposição ao que não preste e dar apoio ao que preste, mas sem ver no presidente nem um mito, um Dom Sebastião ou um salvador da pátria, nem um monstro fascista e malvadão. O papel do presidente é sair do caminho, deste ainda mais que de qualquer outro. Diz-se que o Brasil cresce à noite, quando o governo está dormindo; agora há de ser a hora de fazê-lo crescer durante o dia, com o governo facultando aos cidadãos o direito de trabalhar, de se defender, de chamar o pão de pão e o queijo de queijo. É só isso.
Finalmente, a esperança venceu o medo.