Sob muitos aspectos, o Rio de Janeiro está mais falido que o resto do país. Mas, de certa forma, a Antiga Corte é apenas uma vitrine onde vemos exagerados os problemas de todo o Brasil. Até agora, lá, foram mortos este ano mais de 90 policiais, de uma força de quase 50 mil integrantes. Isso não é mais criminalidade, muitíssimo menos mera “violência”, como quer a mídia: isto é uma guerra civil que vitima as pessoas honestas, principalmente as mais desprovidas, que não têm como trocar o ônibus e seus assaltantes por um carro, blindado ou não; que não têm como instalar nenhum meio de segurança mais sofisticado que cacos de vidro sobre os pobres muros de sua casa.
Em São Paulo, enquanto isso, vaza um documento interno da Polícia Civil alertando os delegados para que se preparem para cortar radicalmente gastos, inclusive fechando unidades e paralisando viaturas, por falta total de fundos. É um outro epifenômeno, outra vitrine a nos mostrar as entranhas do sistema político podre que ora temos no Brasil. O problema é mais profundo que o que o parco discurso político – prende-se muito ou prende-se pouco? – permite conceber. A anomia completa da nossa sociedade, que via de regra é mais grave onde deveria ser mais ordenada pela maior presença do Estado – na roça não há a criminalidade das capitais –, tem se tornado cada vez maior e mais grave.
O desrespeito à lei escrita sempre foi uma tipicidade do Brasil, em que há as leis “para inglês ver”, as que pegam e as que não pegam. O desrespeito à lei natural, contudo, a criação de subculturas para as quais roubar e matar é bonito e honrado, é o triste apanágio dos tempos atuais. Hoje temos “vida loka” espalhados por todos os estados da federação, auxiliados por moças que acham bonita a vida de bandido e protegidos por um sistema penal garantista que faz com que possam chegar até um ponto bem avançado na carreira antes de provarem pela primeira vez o sabor da cadeia. E, quando a provam, é como se fosse para eles um troféu. Basta ver o caso do rapaz que matou um médico no Rio de Janeiro e foi recentemente preso novamente após um roubo: ele cumprira pelo assassinato a espantosa pena de um ano e nove meses de reclusão. É quase um prêmio, mais ainda quando se pensa que na cadeia o bandido está protegido, com pensão para seus familiares (a legal e a do PCC), visitas conjugais e o que mais parecer necessário aos estranhíssimos representantes dos direitos humanos.
Eu já entrei em cadeias brasileiras como visitante, e minha vontade é de nunca mais lá voltar; contudo, é inegável e em grande medida atribuível às prioridades do pessoal dos direitos humanos que há nelas uma mistura de leniência para com atos abertamente criminosos, como as extorsões telefônicas e o consumo de drogas, e uma rigidez ferocíssima contra as condições de vida mais básicas. O preso brasileiro deve ter inveja das cadeias de filmes americanos na hora em que se deita enrolado no chão para dormir em uma cela superlotada, deixando-a porém de lado na hora em que se põe a consumir abertamente droga, a fazer churrasco ou a “trabalhar” simulando sequestros pelo telefone. É a ponta final de um sistema viciado, que vai desde o policiamento ostensivo, passando pela investigação, pelo julgamento e pela pena. É um sistema viciado, aliás, desde muito antes; ele é viciado a partir do momento em que se permitiu a criação de subculturas antissociais – “vida loka” e quetais – sem absolutamente nenhuma resposta da sociedade.
Mas por onde ela responderia? As escolas não funcionam, as famílias são atacadas diuturnamente pela programação da grande mídia. Só o que resta à sociedade para que ela possa tentar garantir um seu futuro são as pequenas associações, os grupos de pessoas que tentam educar corretamente seus filhos no meio do caos que os cerca. É nesses que está a esperança do Brasil.