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(Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo)
(Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo)| Foto:

Hospitais são lugares muito estranhos. Sei disso bem, por ter passado, dos últimos quatro anos, quase um ano inteiro deitado em uma ou outra de suas camas. É, aliás, como estou agora. Primeiro um enfarto, depois um acidente grave, e agora inexplicáveis – por enquanto! – agonias intestinais me trouxeram aos pressurosos braços desta instituição total, em que nada que é importante importa e tudo o que parece obscuro torna-se essencial.

Estar no hospital é ser uma posta de carne, a ser virada, cutucada, acordada, adormecida ou ignorada segundo as necessidades médicas ou a vontade do pessoal. É fundamental estar em boas relações com todo mundo, pois nos tornamos absolutamente dependentes deles quando presos a um leito hospitalar. Decisões são tomadas, remédios são prescritos, injeções são dadas, traseiros são limpos, novos acessos venosos (e outros, e outros, e outros) são obtidos, tudo assim, na voz passiva. Não há agentes diretos num hospital, a não ser que algo muito errado tenha acontecido.

Os técnicos de enfermagem, multidão a carregar o hospital nas costas, são tratados como peões absolutamente intercambiáveis. Os enfermeiros, rarefeita categoria que aparece uma vez ao dia e tudo gere nas entranhas da máquina, idem. Os médicos, estrelas do hospital, vêm e vão como atores principais de um estranho filme em que até mesmo o doente não é mais que um acessório de palco. Esperamo-los: será que o doutor vem hoje? Obedecemo-los: o doutor mandou trocar esta medicação. Agradecemos-lhes o sucesso de toda a equipe hospitalar: Obrigado, doutor.

Que o termo “paciente” tenha conquistado sua denotação atual, de pessoa calma que sabe esperar, certamente tem a ver com os hospitais. Etimologicamente, “paciente” é quem sofre, como na Paixão de Cristo: quem é flagelado, crucificado, entre outros dissabores. Mas hoje os pacientes nem mesmo sofremos tanto; ao menos sofremos muito menos que antes da invenção das poderosas drogas com que hoje conseguem nos acalmar fortíssimas dores. Dores agudas, como as da escovação de uma queimadura, não cedem nem mesmo à morfina. O mais das dores, contudo, mais calmas, de mais longa duração, acaba cedendo à mágica da medicina moderna. O que a medicina não faz é acelerar o tempo. Tomamos o remédio e esperamos sua ação. Se for por via venosa, será mais rápida que se for por via oral, mas quando o que se espera é uma ação contínua no médio prazo… mais vale ser paciente. Ser calmo. Saber esperar.

Apesar de induzirem à exasperação – ao menos para aqueles que, como eu, não suportam serem mastigados por uma máquina gigantesca –, os hospitais não são locais propícios à perda da razão. Irritar-se em um hospital de nada serve, e ainda pode – pecado capital – indispor-nos com os técnicos, aqueles que são, nessas horas, a cara do hospital sem poder mexer uma palha nas instituições. A culpa não é deles, mas são eles os únicos ao alcance. Coisa cuidadosa e criteriosamente preparada, dir-se-ia, para garantir que aprendamos, no nosso leito de hospital, a importantíssima lição de saber tornar-se paciente.

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Confira o arquivo de colunas de Carlos Ramalhete publicadas até maio de 2017 na Gazeta do Povo.

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