O Bolsonaro prometeu que daria um jeito, por decreto, para facilitar a posse de armas por cidadãos de bem. Não sei se já o fez; escrevo isto antes da posse do novo governo. Evidentemente, assim que isso foi tuitado por ele, a extrema-imprensa sacou imediatamente seus “especialistas” – ou melhor, seus desarmamentistas radicais, com tatuagem na testa e decalco no carro – para que vomitassem as besteiras de sempre. A primeira besteira, claro, foi dizer que armar o cidadão de bem não vai resolver o problema da criminalidade (aquele que cismam em chamar de “violência”, como se o problema fosse o tapinha no bumbum do molequinho pirracento). Ora, alguém por acaso achou que iria?! Exatamente como ter um guarda-chuva não acaba com a mudança climática ou ter um extintor não impede que haja incêndios nem desemprega os bombeiros, ter uma arma não acaba com a criminalidade. Só ajuda a vítima a se defender e, ao ser atingida uma massa crítica, pode fazer com que alguns dos criminosos procurem outra maneira de bancar o crack de cada dia.
Desta vez, todavia, houve um que foi mais além: o “especialista” em asneiras zurrou que não se deve “terceirizar para o cidadão a segurança” (!), como se terceirização não fosse exatamente o que ele propõe ao querer que o direito e o dever da autodefesa seja terceirizado para as polícias. Afinal, o que é o policial militar senão um “macho de aluguel”, alguém a quem se terceiriza o que deveria primordialmente competir a cada um? Faz sentido que haja polícia, pois há fartas ocasiões em que a ameaça é grande demais para que cada vítima consiga resolver por conta própria o problema. Desarmar a população honesta, contudo, faz com que aumente exponencialmente o número dessas ocasiões. Terceirizar para a polícia toda e qualquer ocasião de autodefesa significa emascular a população como um todo, impedindo na prática que a polícia cumpra o seu papel e dando a qualquer criminoso poderes quase sobrenaturais. Se ninguém está armado, um bandido com um revolverzinho enferrujado é o dono da rua. Se quem quiser estiver armado, o revólver do bandido é um dentre muitos. E, mais ainda, é minoritário: afinal, a maioria da população é honesta.
Os “especialistas” da extrema-imprensa, na verdade, são apenas lobistas. Lobistas de um sistema de governo baseado na hipercentralização, que agarra com unhas e dentes a ocasião de usar a defesa como finca-pé para centralizar o que mais se puder. Desconfio que a maior parte dos “especialistas” abraçaria com muita alegria a ideia de cozinhas comunitárias, como no início da União Soviética, para substituir as cozinhas familiares. E de uniformes, como na China comunista, para que ninguém precisasse escolher roupa. E, claro, o pensamento individual, substituído pelo coletivismo irracional. Afinal, para quê pensar por conta própria?! Aliás, é curioso que os mesmíssimos comunistas que pegaram em armas contra os governos militares tenham se transformado em desarmamentistas aguerridos quando se viram alçados ao poder. Estranha coincidência, não é mesmo?
Mas mal que bem, se é questão de saber do que se está falando, de se dizer “especialista”, creio que eu também possa assumir o posto e inflar o peito para dar o meu pitaco. Vejamos meu currículo na área: atiro esportivamente desde a adolescência. Naqueles “negros tempos da ditadura” eu ia para a escola com a arma e a munição na mochila, para depois ir pedalando ao estande de tiro. Dedicava-me também às artes marciais. De lá para cá, fiz inúmeros cursos e treinamentos, inclusive o da Guarda Especial de Israel. Sou policial (perito criminal, para ser mais exato) aposentado, e já fui instrutor de tiro. Sou ainda licenciado em história, filosofia e sociologia, o que me permite dizer que também conheço algo da teoria. E, finalmente, tenho o título derradeiro ao qual hoje todos se dobram: sou jornalista. Uau. Ah, e nunca matei ninguém.
E, do alto de meus diplomas e experiência, o que posso dizer sem medo de errar é que a população não apenas é majoritariamente honesta, como também é sobremaneira gentil. Sou hoje cadeirante, e é minha experiência permanente que seja até difícil subir uma ladeira sozinho. Sempre aparece uma alma caridosa para me empurrar ladeira acima, assim que alguém percebe que estou sozinho. O problema acaba sendo o oposto; tomo muitos sustos ao ser subitamente empurrado quando menos esperava. Pois o mesmo acontece em relação à criminalidade. Sempre que os transeuntes percebem que alguém está sendo atacado por um bandido e veem que o atacante pode ser facilmente desarmado, partem para o embate.
Mas este cavalheirismo é combatido pelos especialistas em proferir os despautérios da extrema-imprensa, que prefeririam que se chamasse a polícia, que, claro, jamais chegaria a tempo. Convenhamos: seria impossível à polícia garantir a segurança de todos. Nem se houvesse um policial ao lado de cada cidadão seria possível garantir-lhe a segurança. A defesa de cada pessoa compete a ela mesma, exatamente como compete a mim mesmo manobrar minha cadeira de rodas pela rua afora. É uma gentileza que me fazem ao empurrar-me, como é uma gentileza que fazem os que dominam um criminoso que assalta alguém. Reza a lei que qualquer um do povo pode prender um criminoso em flagrante, e o policial deve fazê-lo. Estar ao lado quando um crime transcorre, todavia, não é algo previsível. Ao contrário, até: o criminoso procura, por malandragem, atacar os que são visivelmente mais fracos que ele, de preferência quando estiverem sozinhos. É por isso que é muito mais perigoso andar à noite quando se é uma senhora de idade que quando se é um rapaz forte. E, claro, se a polícia está ali por perto, visivelmente, o ladrão dará a volta ao quarteirão em busca de vítima mais indefesa.
Para piorar ainda mais a situação, as mulheres são fisicamente mais fracas que os homens e têm, além dos bens materiais, outras coisas que interessam aos criminosos. Ninguém tenta estuprar um galalau de um metro e oitenta de altura, mas uma mocinha de metro e meio corre sério risco ao andar sozinha à noite. E é aí que entra a arma de fogo. Dizem os americanos que Deus fez o homem, mas o Coronel Colt (inventor do revólver de repetição) tornou os homens iguais. Uma mulher e um homem de mãos nuas estão numa situação de profunda desigualdade, em que a mulher depende da civilidade do homem. Já uma mulher e um homem armados são iguais. Exatamente iguais.
É por isso que numa sociedade como a nossa, em que a civilidade já se esvaneceu como a névoa da manhã, é essencial que as vítimas, especialmente as mulheres, possam estar armadas. Nas circunstâncias atuais, uma mulher é sempre uma presa fácil, pois a chance de ela estar armada é quase nula. Se, contudo, for-lhes facilitado o porte (além da posse, claro) de armas de fogo, todas as mulheres, inclusive as que escolherem não ter arma, estarão mais seguras. Afinal, como o ladrão pode saber de antemão se sua vítima não estará armada se não tiver, como tem agora, a polícia a ajudar-lhe garantindo que só ele tenha arma?
Nos plúmbeos tempos da ditadura, o porte de arma sem autorização era apenas uma contravenção penal. Hoje é crime. Na prática, isto significa que é crime para os honestos, já que o ladrão que anda armado já estará cometendo outro crime – o de roubo – ao fazê-lo. O que se tem hoje em dia é na prática uma situação em que a polícia está ao serviço do criminoso, garantindo que suas vítimas estejam indefesas. Pudera que tenhamos mais de 65 mil homicídios por ano! Pudera que não se possa atender o telefone na rua!
Idealmente, as armas de fogo deveriam ser tratadas exatamente como hoje são tratadas as facas de cozinha: quem quiser uma vá à loja e compre, sem que o governo tenha nada a ver com isso. Mas não. O que se tem hoje é o oposto. Comprar uma arma demanda vencer uma quantidade absurda de trâmites burocráticos sem sentido algum. Demandam-se maços gordos de papéis irrelevantes que só provam que quem os apresenta teve tempo e dinheiro para consegui-los. O registro de uma arma (que não deveria sequer existir, pois o governo não tem absolutamente necessidade alguma de saber quem tem ou deixa de ter o quê) custa mais de um salário mínimo, e tem de ser refeito a cada poucos anos. Quanto a isso, aliás, disse Bolsonaro que o registro deixará de ter prazo de validade. Menos mal. Melhor seria acabar com os registros, mas já é um passo.
Quanto ao porte, também deveria ser completamente liberado. Armas não criam perninhas. Armas não matam ninguém sem que alguém as aponte e aperte o gatilho. Armas não ficam mais ou menos perigosas ou desnecessárias de acordo com o lugar onde estejam. E, mais ainda, é impossível que se possa prever a ocasião em que uma arma será necessária. De nada adianta ter direito à posse de uma arma dentro de casa e não poder levá-la consigo caso se perceba que ela possa vir a ser necessária. Uma mãe que vá buscar a filha numa festa de aniversário às duas da manhã deve poder levar consigo uma arma sem ter de se preocupar com a polícia mais que com o ladrão ou estuprador. Um pai de família que sai com uma quantidade maior de dinheiro consigo para fechar um negócio não deve ter medo da polícia. Um músico que carrega dezenas de milhares de dólares em equipamentos para um espetáculo não deveria ter de pensar na legalidade de carregar, ou não, um instrumento de autodefesa.
Pois é exatamente isto o que é uma arma de fogo. Em termos físicos, trata-se de um tubo de ferro que usa a expansão da pólvora incendiada para projetar um pedacinho de chumbo. Não é um demônio vivo; não é uma pedra radioativa; não é nada que não uma ferramenta, um instrumento de equalização. Assim como um alicate torna os dedos mais precisos e fortes, um revólver torna as pessoas iguais, desde que ambos os lados o tenham. Na situação atual, um revólver na mão de um criminoso – pois em termos estatísticos há muito mais criminosos que policiais, o que faz com que os revólveres estejam via de regra nas mãos deles, não nas nossas – é o oposto de um equalizador. O revólver faz o criminoso ser o rei, faz com que todos tenham de obedecer-lhe. Ora, é impossível, num país com as dimensões do nosso e com as fronteiras vazadas do nosso, desarmar os criminosos. Mesmo que isso fosse feito, aliás, só o que se faria seria manter a situação mais ou menos igual à atual, na medida em que assaltantes em geral são rapazes no auge de sua forma física, o que os faz desde já superiores em força a praticamente todas as mulheres e idosos. Nem falo dos deficientes físicos!
Só o que se pode fazer, na nossa situação, é tirar da bandidagem a vantagem de que goza, liberando-se completamente a posse e o porte de armas de fogo. Em qualquer loja se pode comprar uma faca como a que foi usada para atentar contra a vida do então candidato Bolsonaro. Em qualquer obra se consegue uma barra de ferro ou um vergalhão. Que razão haveria para perpetuar essa demonização logo das armas de fogo? Nenhuma.
Outro problema de que quase nada se fala, e que a situação atual também causa, é o das pessoas com tendências violentas. Ora, é muito mais comum que essas pessoas procurem carreiras policiais que, por exemplo, carreiras nas áreas da saúde ou do ensino fundamental. Sou policial aposentado, e conheço muitíssimos policiais. E devo dizer uma coisa: tenho muito menos receio de um cidadão qualquer tomado ao acaso armado que de um colega policial igualmente tomado ao acaso e igualmente armado, justamente por saber que há enorme quantidade de gente que faz concurso para as polícias movido por excesso de testosterona. Machão é um troço perigoso. E hoje de um lado temos os machões honestos, mas machões, na polícia. Do outro, os machões desonestos, os criminosos. E, no meio, temos todo o resto da população: os mansos, os pacíficos, os tranquilos. Centenas de milhões de pessoas que não têm interesse algum em crescer subindo no próximo, centenas de milhões de pessoas que só querem viver tranquilamente. Gente que quer poder, como o grande Chesterton fez ao casar-se, comprar um revólver para proteger a mulher que ama. Estes são os que deveriam poder ter e portar armas. Estes são os que me ajudam a subir ladeiras na cadeira de rodas. Estes são os que hoje têm medo dos bandidos, mas não podem armar-se para não ter medo da polícia.
Nem me lembro de qual teria sido a última vez que saí de casa sem prender à cinta uma arma de fogo. É algo que faço automaticamente, como pegar meu chapéu. Nunca precisei sacá-la, mas é sempre melhor tê-la e não precisar dela que precisar dela e não a ter. Eu sei que não sou melhor que ninguém. Sei, mais ainda, que meus antigos colegas de polícia não só não são melhores que ninguém como, em muitos casos, são mais violentos que os demais. Não vejo razão absolutamente alguma para negar a quem quer que seja o direito de fazer como eu faço e armar-se ao sair. A sociedade, como um todo, só teria a ganhar se isso ocorresse. Quanto mais iguais em força forem as pessoas, menos injustiças ocorrerão.