Prédios das sedes dos Três Poderes em Brasília foram invadidos e depredados.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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A arma política mais importante, dentre tantas, é a psicológica. No discurso político é essencial que cada questão seja simplificada ao máximo, reduzindo-se a frases simples e termos fortes a repetir ad nauseam para conduzir as emoções da turba ignara. Foi assim que, no século passado, o nazifascismo e o comunismo conseguiram tomar o poder em muitos países e levar a cabo genocídios como nunca dantes ocorreram. Tendo durado mais e bancado farta propaganda mundo afora, o comunismo conseguiu evitar sua transformação em sinônimo de mal absoluto, sofrida pelo nazismo, ainda que o comunismo tenha sido (e seja, ainda, na Coreia do Norte e em Cuba) tão infernal quanto seu rival. O próprio fascismo, boçalidade menor em comparação ao nazismo e ao comunismo, acabou sendo confundido com aquele, mais por causa da aliança entre Itália e Alemanha na Segunda Guerra que por qualquer semelhança na capacidade destrutiva e assassina.

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O princípio básico dessas ideologias assassinas era o que no nazismo e no fascismo se dizia “princípio do líder” (Duce, em italiano, Führer em alemão). No comunismo o mesmo fenômeno é dito “culto à personalidade”; na prática é a mesma coisa, mas a mentira de ser “O Povo” (ou, ainda mais engraçado, “O Proletariado”) no poder impede que se assuma plenamente o sistema real de tirania pessoal. Mas, ao fazer do nazismo (e, nos meios esquerdistas, do fascismo, seu irmãozinho retardado) sinônimo de mal puro e absoluto, o que acaba importando menos é o que seja efetivamente nazismo ou fascismo. Não é de hoje esse tipo de confusão, aliás; basta ver que na Guerra Civil Espanhola, antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, os comunistas stalinistas chamavam de “fascistas” os comunistas trotskistas. “Fascista”, para o esquerdista, é como se chama quem não reza pela exata mesma cartilha que ele. E “nazista”, para todo político interessado em demonizar seu oponente, é quem lhe aprouver assim chamar. O nazismo, presspõe, deve forçosamente ser esmagado. Nazistas devem ser surrados, quiçá desaparecidos, e ninguém se incomoda. Ao contrário, até: bater em nazistas é coisa fina, linda. Daí a utilidade tremenda de apodar o inimigo político de “nazista”, mesmo que ele nada tenha a ver com tal ideologia. Se ele é nazista, pau nele!

É esse desejo de eliminar definitivamente o adversário que nos leva a ter hoje tantos tipos de “desnazificação” em curso. Putin diz-se ocupado em “desnazificar” a Ucrânia, por exemplo. Não que não haja uns doidos com saudades da vexaminosa tropa SS formada por voluntários ucranianos, não que eles não tenham uma influência no governo desproporcional à sua importância numérica, mas “nazismo” para Putin é toda e qualquer forma de patriotismo ucraniano. Nem precisa ser nacionalismo: patriotismo basta. Ou bem o ucraniano se vê como um russo mal-lavado, ou bem ele é nazista aos olhos putinescos. Já no centro do antigamente dito “mundo livre”, os Estados Unidos, são hoje ditos “fascistas” pelos poderosos os cerca de 50% da população que preferem Trump a Biden. O patético passeio da Carreta Furacão no Capitólio dois anos atrás, como eu então previra, virou “tentativa de golpe de Estado” e, como tal, desculpa para que o governo americano tomasse contornos... fascistas. “Acusa-o do que fazes” continua a ser boa dica política.

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“Fascista”, para o esquerdista, é como se chama quem não reza pela exata mesma cartilha que ele. E “nazista”, para todo político interessado em demonizar seu oponente, é quem lhe aprouver assim chamar

Aqui no Brasil, que nestes tempos parece imitar com algum atraso tudo o que ocorre na política dos EUA, já estamos vendo o mesmo fenômeno. Aliás, já o víamos antes mesmo que o triste vandalismo de domingo passado fornecesse aos donos do Diário Oficial excelentes desculpas para tacar fogo na mesma Constituição que já haviam rasgado. O afã petista de apagar todas as (poucas) conquistas de Bolsonaro já tinha essa característica de “desnazificação”, como se tudo o que Bolsonaro fez fosse ruim por ter sido feito por ele – um nazista, um fascista, um mal absoluto. Inventaram um Bolsonaro führer nazista, quando na verdade o coitado nunca foi líder de porcariíssima nenhuma. Pelo contrário, aliás: estava quieto e feliz no seu habitat, o dito baixo clero da Câmara dos Deputados, quando subitamente, pelo simples fato de ser o único político mais ou menos famoso que não tinha rabo preso com o PT, ele foi alçado pela estrondosa votação popular à Presidência da República. Sem ter sequer a manha básica de urdir alianças para conseguir governar. Sem capacidade alguma de liderança (acho que, se patinhos eclodissem dos ovos e só houvesse ele por perto, ele os afugentaria). Sem saber sequer fechar a boca em que enfiava ambos os pés a torto e a direito.

Ora, num fascismo (para usar o termo preferido pela esquerda desde a Guerra Civil Espanhola) é preciso haver um Líder, coisa que o pobre Bolsonaro jamais teria capacidade de ser. Quem nasce pro baixo clero não chega a Richelieu nem a Mussolini. Mas isso não interessa; o que importa é apenas poder pespegar ao inimigo xingamentos que fazem as vezes de definições. É assim que o vandalismo – e vandalismo da pior espécie, mas só vandalismo – virou “terrorismo” e “golpe de Estado”. O que começou como um gesto de exasperação perfeitamente dentro dos conformes legais (a praça – inclusive a dos Três Poderes – é do povo como o céu é do condor) acabou, quiçá pela insuflação de agentes provocadores a serviço dos poderosos, virando um triste e vexaminoso espetáculo de quebra-quebra. Aliás em tudo semelhante a palhaçadas anteriores promovidas pelo MST e outros queridinhos do desgoverno atual.

Mas nem o vandalismo do MST nem o dos direitistas (pois chamá-los de “bolsonaristas” depois que o antiführer fugiu para Miami é manipulação psicológica petista sem pé algum na realidade) chega sequer perto de poder ser dito “terrorismo”. Terrorismo é uma tática que visa, como o nome indica, fomentar o terror por ataques sistemáticos e imprevisíveis a alvos civis: bombas em mercados, rodoviárias, jogos de futebol, essas coisas. O que houve em Brasília foi mais um exemplo daquilo a que eu me referi ao dizer que o desespero é péssimo conselheiro. Um monte de gente desesperada, sem recurso legal algum num país em que o juiz bate pênalti, deu vazão ao desespero e exasperação comportando-se como touro em loja de louças, invadindo, quebrando e postando nas redes sociais suas façanhas. Era, aliás, relativamente previsível que, dadas as circunstâncias e a simpatia pessoal do grosso das polícias, isso pudesse acontecer. A Abin justamente avisara, mas ou bem não foi ouvida ou bem os poderosos preferiram aproveitar a chance e mandar agentes provocadores para garantir-lhes um incêndio do Reichstag para chamar de seu e justificar seus malfeitos posteriores (ou mesmo a posteriori).

Aliás, são curiosas as listagens dos presentes em Brasília promovidas pelos dedos-duros da esquerda na mídia e nas redes sociais. Ainda que para ser dedurado aparentemente tanto faça ter estado nalgum acampamento Brasil afora, na praça ou dentro de algum dos prédios invadidos, o que se vê é gente normal, normalíssima. Gente de todas as classes e todas as cores, gente unida não pela adesão a algum “fascismo” impossível pela ausência de líder (aliás, no dia em que aparecer um, sai de baixo! Que Deus nos livre e guarde, porque o que não falta é manada para ir atrás de um que vier), mas pela exasperação e desespero com a eleição “tomada” (apud Barrosão) pelo PT. Do mesmo modo, na hora de descobrir quem bancou a viagem dos protestadores, viu-se que foi coisa extremamente descentralizada, com (no mínimo) centenas de pessoas mais abonadas se cotizando para ajudar os menos abonados a ir a Brasília protestar (não vandalizar; não creio que alguém tenha contribuído com vandalismo em vista). Em outras palavras, o que se tem é simplesmente um corte geral de toda a população, em que gente exasperada e desesperada se junta na busca de uma solução que não existe no horizonte. Ao contrário, aliás, do rígido alinhamento dos quadros partidários e picaretas sequiosos de poder do outro lado. Não há nenhuma organização suprema, menos ainda uma que fosse capaz de dar um golpe de Estado ou besteira do gênero.

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Contudo, essa coisa de realidade é tão século passado! Não só os vândalos, mas também gente que não teria como tomar parte no vandalismo por estar acampada em frente a quartéis Brasil afora, viraram “terroristas”, acusados de tentar um golpe de Estado. O que, aliás, é uma contradição em termos: terroristas, por definição, não têm meios de dar golpes de Estado. Se tivessem, não precisariam aterrorizar ninguém com bombas e outras armas de pobre. O que houve foi um quebra-quebra idiota e irracional, e só. Mas ele virou, como na matriz americana, “tentativa de golpe de Estado”. Lá, dado o fato de que havia no ar a esperança de que o vice do Trump se recusasse a aceitar a contagem de votos de alguns estados, até se poderia dizer, forçando tremendamente a barra, que havia uma tentativa de interromper o processo eleitoral. Já aqui o que se tinha era uma praça vazia, cercada de prédios vazios, sem que sequer houvesse a possibilidade de interromper algum processo em curso – ao contrário dos quebra-quebras vandálicos em que o MST é useiro e vezeiro, aliás, que costumam acontecer em datas de votações importantes.

O pobre do Bolsonaro, que na única manifestação que fizera acerca dos bloqueios de estrada os condenou, virou “mandante” – a milhares de quilômetros de distância e passando mal. O governador do Distrito Federal foi (ilegalmente) “afastado” – no que, aliás, parece ser uma primeira divisão na frente unida de Careca e Dedeta, em que este decretou legalmente uma intervenção restrita à segurança pública do DF, mas aquele, pelo jeito insatisfeito com tais “meias medidas”, foi mais além. Ainda mais alucinadamente, o então secretário de Segurança do DF, que no momento do quebra-quebra estava literalmente em outro hemisfério, teve sua prisão decretada, assim como seus subordinados e representantes. Seria, sim, justo, demiti-lo e ao comandante da PM (bem como ao comandante da Força Nacional ali presente sem fazer nada). Afinal, a responsabilidade pela omissão dos subordinados é, no fim das contas, do superior. Mesmo quando ele não tem nenhuma culpa real no cartório, como é o caso. O presidente americano Truman tinha uma plaquinha em cima da mesa dizendo “the buck stops here” (“a bucha é minha”), para mostrar que a responsabilidade final por todo e qualquer ato dos funcionários do governo que ele comandava era sua, e só sua. Mandar prender gente que na hora do vamos-ver estava em outro país, no entanto, é francamente absurdo. Aliás, mesmo os soldados diretamente omissos, num país em que ainda houvesse vestígios do Estado de Direito, só poderiam ser presos ou seriamente punidos depois de condenação (num processo legítimo, aliás, com direito ao contraditório e julgado por um juiz isento, o que não anda muito na moda, mas é necessário).

O que importa é apenas poder pespegar ao inimigo xingamentos que fazem as vezes de definições. É assim que o vandalismo de domingo – e vandalismo da pior espécie, mas só vandalismo – virou “terrorismo” e “golpe de Estado”

Não que – pelo pouco que se pode saber num país em que até mesmo os acampamentos só apareceram nos noticiários quando se os mandou esvaziar – as ordens peremptórias do mais alucinado membro da dupla caipira que ora manda no Bananão estejam sendo perfeitamente obedecidas. Pelo menos não à risca; os acampamentos, que já não faziam sentido algum antes da palhaçada vandálica de domingo e agora se tornaram abertamente contraproducentes, estão sendo esvaziados, ou antes se esvaziando, mas ninguém está sendo preso em flagrante. Apenas no DF, debaixo do olho do dono, foi levada uma multidão a um campo de concentração para indiciamento em crimes fictícios e absurdos. Não creio que muitos policiais Brasil afora obedeceriam ordens neste sentido, aliás, mesmo se os governadores (que, ao contrário do Congresso, já tomaram posse, e fazem parte da onda de direita dessas eleições) as dessem.

Os prejuízos causados pelo triste espetáculo de domingo passado, assim, acabam sendo relativamente difusos. Perdem, claro, as instituições, e nem estou me referindo aos prejuízos financeiros causados pela destruição gratuita e criminosa do patrimônio público. Por um lado, o vandalismo deu oportunidade aos poderosos de fechar ainda mais a miúda janela de expressão da vontade popular frustrada pelo processo, arrã, eleitoral. Tal boçalidade destruidora irracional foi tudo o que os poderosos vinham pedindo ao Capeta. De outro lado, contudo, o previsível exagero da reação (em que vandalismo irracional vira terrorismo ou mesmo golpe de Estado etc.) acaba sendo contraproducente para eles mesmos. É uma corda que já vem sendo esticada além do razoável faz tempo, e medidas muito alucinadas tendem a não ser obedecidas, com cada desobediência sendo na prática um fio da corda que se rompe. Manda-se prender e arrebentar (nas imortais palavras do presidente Figueiredo, de terna saudade) quem ficou de vivandeira em porta de quartel, porém no mais das vezes saem todos pacificamente. Um barbante a menos. Enfia-se uma multidão num campo de concentração para indiciar todo mundo que estava em atividade direitista, mesmo pacífica, no domingo, e até a imprensa internacional começa a dizer “pera aí”. Ao contrário do que sussurra o demônio da vontade de poder – tão mau conselheiro quanto o desespero –, tudo tem limites.

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Mais ainda: ao perpetrar tão flagrantes e injustas ilegalidades, os poderosos não apenas aumentam exponencialmente a exasperação e o desespero populares que levaram ao triste espetáculo de domingo, como conseguem fazer “mártires” dos bobos presos por estar pacificamente acampados diante do santuário verde-oliva de seu deus não salvante. Outros mártires, ainda mais evidentemente injustiçados, podem ser feitos dos presos cuja inocência absoluta é mais que fartamente comprovada pela simples distância geográfica. Transformar em golpe de Estado ou terrorismo o que é apenas um quebra-quebra generalizado nem mais nem menos idiota que os tantas vezes feitos pelo MST (que – ao contrário dos direitistas de camiseta da CBF – já matou, não só quebrou) é algo tão delirante que, fora da minúscula bolha ideológica onde circulam os poderosos, é impossível não o perceber como injustiça flagrante.

E é da injustiça que nasce o horror do justiçamento. É do desespero que surge a destruição. É da tirania que jorra a revolta. Pobre Brasil!

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]