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Carlos Ramalhete

Carlos Ramalhete

Educação

Escolas nada católicas

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Um senhor amigo meu lembra com carinho de sua educação em escola marista no começo da segunda metade do século passado. Os professores eram todos irmãos maristas, e a escola cuidava tanto da vida de fé dos alunos quanto de sua instrução. Já a minha experiência como aluno de um dito “colégio de padre”, vinte e tantos anos depois, foi bem diferente. Não havia nenhum religioso lecionando; o diretor da escola era um padre, havia uma “casa dos padres” no terreno do colégio, e só. Até mesmo a matéria Religião era de responsabilidade de um padre dispensado de votos (havia muitos dando sopa nos anos 1970; enorme parcela do clero largou a batina depois do Concílio Vaticano II), de quem me lembro apenas do hábito de fumar desbragadamente e escarrar no chão da sala de aula. A “aula” consistia em procurar na Bíblia e copiar versículos aparentemente aleatórios indicados em abreviatura no quadro-negro. Era um colégio caro, como soem ser os tais “colégios de padre”.

A coisa de lá para cá foi piorando. Coisa de dez ou quinze anos atrás, tirei no meio do ano meu filho de um “colégio de freira” – antes esses eram para meninas, e os “de padre” para meninos. Só sei do São Bento, no Rio, que ainda mantém essa salutar distinção. A razão pela qual o transferi para uma escola pública foi simples: uma professora levou para uma sala cheia de crianças de 12 anos um pênis e uma vagina de borracha para mostrar como se o recobre com uma camisinha e como um encaixa no outro. Eu mesmo nunca vi uma vagina de borracha, mas meu filho foi apresentado a tão estranho objeto aos 12, num colégio que se diz religioso.

Antes disso, em outra cidade, eu já havia estranhado bastante que o colégio de padres em que ele então estudava parecia ter vergonha dos dois belos nomes que portava, provavelmente por serem religiosos demais para o gosto da direção. O nome oficial da escola era Instituto Nossa Senhora Auxiliadora, e o povo da cidade o apelidara, desde sua fundação, de “Oratório”. Lindos nomes, aos quais a direção preferia “Insa”, horrenda sigla do nome oficial tornada em nome próprio. Cheguei a me dar ao trabalho de conferir no dicionário, mas estava certa minha impressão: não há nenhuma palavra de sentido positivo ou agradável começada por “insa”. Já de sentido negativo há algumas: insalubre, insatisfatório...

Com raríssimas exceções, as escolas ditas católicas – colégios de padre e colégios de freira – hoje em dia são empreendimentos comerciais de preparação para o Enem, completamente indistinguíveis da concorrência laical

De lá para cá a coisa parece ter conseguido piorar ainda mais; a filha de uma amiga, também com 12 anos, viu-se na escola às voltas com coleguinhas que a desprezavam por não ser nem homo nem bissexual, como se criaturinhas dessa idade devessem não só ser “sexuais”, mas o ser de maneiras, digamos, heterodoxas. Por estes dias, num dos colégios de padres mais chiques do Rio de Janeiro, um aluno mostrou o traseiro para uma professora que o repreendera, sem por isso sofrer qualquer punição.

Não se trata, em absoluto, de alguma ordem vinda de cima, muito pelo contrário. Pelo que manda a Igreja, as escolas católicas devem formar os alunos espiritualmente ao menos tanto quanto instruí-los. Um “ex-padre”, do mesmo modo, não pode dar aulas de Religião (fumar na sala e escarrar não são tema de direito canônico). Evidentemente, seria questão de bom senso mais elementar não contratar professores comunistas, não permitir “instrução” do tipo que meu filho sofreu, desincentivar fortemente a perversão sexual... Nada disso, todavia, parece passar pela cabeça dos mantenedores das escolas ditas católicas, e – quiçá coisa bem mais grave – aparentemente os senhores bispos não se interessam por cumprir sua missão de supervisão de tais estabelecimentos.

Com raríssimas exceções (que eu não conheço; refiro-me a elas apenas para não universalizar os particulares que conheço), as escolas ditas católicas – colégios de padre e colégios de freira – hoje em dia são empreendimentos comerciais de preparação para o Enem, completamente indistinguíveis da concorrência laical. Da escola de que tirei meu filho costumo dizer que seria mais honesto se as freirinhas a vendessem e montassem uma pizzaria, já que aparentemente sua única função é sustentar o convento. Uma pizzaria, pelo menos, não seria um empreendimento antiético, como o é uma escola que se diz católica, mas na verdade está longe de sê-lo. Como já lecionei lá, falo com conhecimento de causa da espantosa ausência de direção religiosa na escola. Há uma freirinha-em-chefe, que fica trancada numa sala e a quem os professores não têm acesso algum. Há outra que aparece na sala dos professores antes do início das aulas do dia para ler alto alguma besteira açucarada “inspiradora”, do tipo que senhoras velhinhas trocam pelo zap. A direção pedagógica do estabelecimento é dada por duas leigas acatólicas e sabidamente de gostos sexuais heterodoxos. Não se trata de caso raro, contudo; esta é antes a regra que a exceção.

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Daí eu ter preferido tirar meu filho de lá e colocá-lo numa escola pública, onde pelo menos eu não teria de pagar para ele ser deseducado. Daí, do mesmo modo, eu recomendar em geral aos pais que não matriculem os filhos em escolas ditas católicas sem pesquisar muito bem como são as coisas por lá. Em geral, aliás, no Brasil as escolas ditas “boas” são boas apenas em deseducar os alunos, pegando criancinhas inocentes para vomitá-las transformadas em niilistas depravados 12 ou 13 anos depois. Como os tradicionais colégios de padre e colégios de freira costumam estar entre as escolas ditas boas, o resultado é o mesmo; mais vale matricular os pimpolhos em escolas menos ambiciosas e menos eficazes em fazer o mal.

Sei de alguns grupos de pais, e mesmo de professores, que estabeleceram escolas com nomes de santos, onde tentam na medida do possível oferecer educação católica, mas sem submetê-las à aprovação episcopal. Canonicamente, isso significa que a escola não pode se afirmar publicamente “católica”, por mais força que faça para sê-lo de fato. Não estranho que gente bem-intencionada o faça; afinal, se para os ordinários locais os colégios de padre e colégios de freira estão bem na fita sendo indistinguíveis da concorrência irreligiosa, há razões para temer que uma escola realmente católica pudesse vir a ser forçada a transformar-se em horror do mesmo tipo. Aliás, curiosamente, parece que um grupo de escolas caríssimas baseado no Sudeste, dedicado integralmente à transformação de criancinhas inocentes em niilistas depravados, foi estabelecido com o objetivo explícito de tirar as elites dos colégios ditos católicos.

Há, assim, concorrência dos dois lados: de um lado, gente com bolsos fundíssimos disputa o público rico com as escolas supostamente católicas, concorrendo na mesma raia de formação para o niilismo e para a depravação. Do outro, gente bem-intencionada procura oferecer educação católica, sem poder contudo afirmar que o faz. Eu poderia até dizer que em alguma medida torço por ambas, já que apoio firmemente escolas que queiram ser católicas de verdade e aplaudiria de pé a falência dos cadáveres de escolas católicas tradicionais que pervertem a molecadinha Brasil afora. As congregações religiosas (?) que as mantêm seriam forçadas a ganhar seu sustento de maneira honesta, e a concorrência igualmente medonha, mas que não se afirma religiosa, faria por isso mesmo menos mal à fé dos alunos e de seus pais.

Apoio firmemente escolas que queiram ser católicas de verdade e aplaudiria de pé a falência dos cadáveres de escolas católicas tradicionais que pervertem a molecadinha Brasil afora

Bom mesmo, entretanto, seria o oposto: visitações apostólicas vindas de Roma poderiam esmiuçar o que ocorre em cada empreendimento tocado por congregações religiosas (tanto escolas quanto editoras e outros meios de propagar ou combater a fé). Sendo descobertas atividades antiéticas, deveria haver intervenção nos estabelecimentos ou mesmo, em alguns casos, seu fechamento.

Melhor ainda seria se cada bispo, em cada diocese, cumprisse o seu papel e inspecionasse cuidadosamente essas escolas. Afinal, não é muito difícil descobrir o que é lecionado, como é o acompanhamento espiritual dos alunos etc. Imagino que não o façam justamente por saberem que o resultado os colocaria em conflito aberto com as congregações que mantêm essas arapucas. Na maior parte dos casos, presumo, seria necessário substituir a direção da escola e demitir grande parte dos professores, coisas com o potencial de gerar uma crise pública. E quem quer uma crise pública?

Infelizmente, a única opção a ela é a continuação da horrenda crise privada que acomete o ensino confessional católico no Brasil. Pode-se dizer que em termos canônicos ele na prática não existe. Afinal, as escolas que têm autorização para se afirmar católicas não o são, e as que o são não a têm. Essa ausência de reconhecimento e supervisão episcopal, por sua vez, abre as portas para outros problemas, potencialmente tão graves quanto os que acometem as escolas formalmente católicas. Afinal, sem supervisão eclesial, sem aprovação eclesiástica, por melhores que sejam as intenções de seus mantenedores é perfeitamente possível que haja uma deriva que acabe fazendo dessas escolas informalmente católicas estabelecimentos sectários, vendendo aos pais alguma maluquice pseudocatólica como se fosse catolicidade.

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É o caso, por exemplo, das escolas dos Arautos do Evangelho. Elas até tinham reconhecimento canônico, mas quando veio a ordem de Roma de fechá-las os Arautos simplesmente se negaram a obedecer. Essas arapucas acabaram sendo fechadas pelas autoridades civis, chocadas com os abusos que ali ocorriam disfarçados de formação religiosa. É um caso extremo; os vídeos que se encontram na internet de alunos dessas escolas fazendo exercícios de ordem-unida militar com precisão prussiana são assustadores. Outros casos poderia haver, e provavelmente há, de falsa catolicidade em escolas independentes; coisas menos flagrantes, menos assustadoras à primeira vista, mas igualmente atentatórias à boa formação moral dos alunos. Estes não incomodariam as autoridades civis, enquanto a autoridade religiosa nada poderia fazer devido à ausência de reconhecimento canônico de tais estabelecimentos.

Não podemos esquecer que no Brasil a burocracia que engessa as escolas ao ponto de apontar quem pode e quem não pode lecionar, quantos dias e quantas horas de aula cada matéria deve ter por ano, ensinando quais besteiras, quais mentiras e quais barbaridades etc. é o pior inimigo da boa educação. Para uma escola decente sobreviver no Brasil é preciso dar nó em pingo d’água, porque o MEC (Ministério da Estupidez e Canalhice) está sempre disposto a tudo para impedir que alguma escola funcione. Para ficar apenas no que é atentatório à educação católica, atrocidades como a da tal vagina de borracha são incentivadas pelas autoridades civis e quem não souber regurgitar o mais nefando reducionismo marxista terá dificuldades no Enem. Por exemplo.

Uma escola católica, num ambiente assim hostil à boa prática educacional, precisaria tanto adestrar os aluninhos para que saibam vomitar na hora certa o bestialógico exigido pelo MEC quanto ensinar-lhes as razões por que ele está errado. Coisa bem mais difícil, demandando bastante mais dos professores e alunos, mas infelizmente necessária. Ao mesmo tempo, precisaria – para poder se dizer católica – cuidar da formação religiosa, espiritual e moral dos pupilos, buscando justamente evitar que o medonho currículo imposto às escolas faça deles os niilistas depravados que ele visa fabricar. Com supervisão episcopal é difícil; sem ela, no médio e longo prazo, é impossível.

O que as escolas fazem é usar sua suposta catolicidade como minhoca de anzol para atrair os pais. Nos bastidores, contudo, a orientação pedagógica, moral e mesmo (ir)religiosa das escolas é abandonada às garras de “profissionais” de um sistema que visa deseducar e nem tenta instruir

Daí ser tão grave que quase todos os senhores bispos tenham deixado de lado seu dever, abandonando as escolas católicas aos ditames do MEC. Daí ser tão grave que as congregações religiosas tradicionalmente dedicadas à educação tenham desistido de mexer com isso. O que fazem em geral é usar sua suposta catolicidade como minhoca de anzol, colocando um padre ou freira como diretor nominal; ele serve de garoto-propaganda para atrair os pais. Nos bastidores, contudo, a orientação pedagógica, moral e mesmo (ir)religiosa das escolas é abandonada às garras de “profissionais” guiados pelos ditames bárbaros de um sistema que visa deseducar e nem tenta instruir.

É justamente o fato de o sistema educacional brasileiro ter sido tão complemente dominado pela barbárie que faz com que seja absolutamente necessário que a Igreja volte a dar atenção a este componente de sua missão civilizadora. Não podemos nos esquecer que foi a Igreja que inventou as escolas, que foi ela que formou a intelectualidade brasileira – muitas vezes nas mesmas escolas que hoje são fábricas de niilistas depravados – e, principalmente, que as loucuras propagadas pelo MEC são o oposto do que buscam as famílias católicas. Só o que elas querem é que seus filhos sejam instruídos num sistema que esteja de acordo com a educação que recebem em casa. Que as escolas ditas católicas em que os matriculam trabalhem a favor da fé e da moral, não contra elas.

Em última análise, a bola está com os senhores bispos. Será que eles vão acordar para a importância de seu dever? Para o fato de que “epíscopo” significa “supervisor”, e que a formação da juventude deve ser sempre uma de suas prioridades? Até que o façam, a crise continua.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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