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Um dia nossos descendentes, estudando a história de nosso século, vão se divertir muito com os cabelos dos atores principais do presente confronto entre os EUA, que se querem hegemônicos, e a Coreia do Norte, que se quer excepcional. Um com aquela complexa obra escultórica pintada de amarelo vivo, o outro com um tufo preto que sobe como crista de galo para garantir-lhe uns centímetros a mais, ambos arrotando fúria e fogo pela mídia. Dá até pena que Trump tenha deixado de pintar a cara de cor-de-abóbora depois que foi eleito; antes era ainda mais pitoresco.

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A história daquele cantinho do planeta é complexa. A Guerra da Coreia formalmente ainda não acabou, tendo sido feito no século passado apenas um cessar-fogo. Nela, a China e os EUA se bateram pelo domínio da Península Coreana, estrategicamente importantíssima por debruçar-se entre China e Japão; o resultado foi um país dividido em dois, com cada um deles servindo de laboratório para uma experiência ideológica diferente. A Coreia do Sul, capitalista, tornou-se um país milionário, mas onde a força da competição ameaça gravemente os fundamentos confucianos da sociedade e chega a levar jovens ao suicídio por se considerarem “fracassados”. A do Norte se mantém como último país comunista puro e duro, governado por uma dinastia de reizinhos loucos, os únicos obesos em um país de miseráveis. Mas mesmo essa miséria já parece a seus habitantes um grande avanço; afinal, na guerra que deu origem a esse país o Norte foi completamente arrasado. O sonho de todo ideólogo, uma tábula rasa onde projetar e fazer vigorar seus sonhos de sociedade, nunca esteve tão perto de ser alcançado.

Esta destruição é posta pela propaganda norte-coreana exclusivamente nas costas dos EUA, já que a China é aliada da ditadura. Assim, o bicho-papão onipresente na mentalidade norte-coreana são os Estados Unidos. Evidentemente, o fato de a Coreia do Sul e o Japão abrigarem enormes bases militares americanas não ajuda em nada numa paranoia que acaba sendo perfeitamente compreensível.

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A solução encontrada pelos sucessivos ditadores não deixa de ter sua lógica interna: armar-se, garantindo que nova intervenção americana, como a que vem sendo ameaçada pelo homem do cabelo amarelo, não fique sem resposta, e resposta cara. Eles viram que a Líbia foi demolida pelos EUA e pela Europa logo após desarmar-se. Eles viram o Iraque sendo destruído pelos EUA após ceder às demandas da ONU e deixar de lado as armas de destruição em massa.

Os EUA gastam mais com suas forças armadas que todos os demais países do mundo somados gastam com as suas. Em termos históricos e geopolíticos, os EUA são o maior valentão já visto na face da Terra, atacando e recuando por toda parte, perpetuamente envolvidos em conflitos sangrentos em áreas que o americano médio não saberia nunca achar num mapa. A razão para as guerras é simplesmente manter funcionando a máquina de guerra, o “complexo industrial-militar” já denunciado por um presidente americano e que Trump teria sido eleito para confrontar, mas ao qual ele parece vir se dobrando. Não é difícil tornar-se um alvo dos EUA, e não é necessário que haja razões geopolíticas prementes. A ditadura norte-coreana sabe disso; apesar de ficar quietinha no seu canto, isolada do mundo ao ponto de ter recebido o apelido de “reino eremita”, ser bombardeada até com armas atômicas pelos EUA é sempre uma possibilidade presente no ar. Para isso eles se armam, e para isso fazem questão de deixar claro que um ataque terá resposta pesada e imediata. É compreensível; quem preza o direito do cidadão de bem de portar uma arma para se defender de ataques injustos há de compreender a situação da Coreia do Norte, mesmo que seu governo seja a materialização dos nossos piores pesadelos e o sonho de Lula e Maduro.

Só nos resta colocar nas mãos de Deus o conflito e rezar para que prevaleça a paz, ainda que uma paz armada, e que as Coreias encontrem o caminho que as livre das ideologias assassinas.