Graças aos meios eletrônicos, a comunicação escrita vem ganhando uma primazia que nunca teve. Nunca na história leu-se ou escreveu-se tanto quanto hoje, nem nunca um porcentual tão grande das comunicações entre pessoas foi feito por escrito. Há quem reclame, dizendo que o pessoal escreve errado por escrever foneticamente ou abreviar, esquecendo-se de que esta é uma condição natural da língua. A diferença é apenas que hoje as letras já vêm prontas num teclado, em vez de terem de ser traçadas com tinta. O resultado é que as abreviações acabam tendendo a assumir formas mais fixas, sem a fluidez dos antigos.
Afinal, muitos dos sinais gráficos que usamos hoje em dia vêm de abreviações. “&”, por exemplo, é apenas uma forma abreviada de escrever “et”; o “e” minúsculo manuscrito foi preservado na parte superior do caractere, e o “t” é a cruz embaixo à direita. Da mesma forma, como se pode ver claramente pela comparação com o espanhol, o cedilha é um “i” que, para poupar espaço, foi para baixo da letra (pense em “justicia”, do espanhol, e “justiça” da nossa língua; são a mesma palavra, com o “i” mudando de posição!). Ainda nas abreviações gráficas, uma das minhas favoritas é o til (“~”), que nada mais é que um “n” escrito rapidamente. No latim medieval, quando se usavam abreviações de fazer corar qualquer adolescente whatsappeador, o til podia significar qualquer terminação nasal – m ou n, frequentemente com toda uma sílaba anterior presumida.
Hoje, destarte, o que fazemos ao abreviar é apenas o que sempre foi feito com a língua escrita. O próprio código escrito já é, de uma certa forma, uma abreviação; afinal, há muito mais sons que as letras do alfabeto. Os dois “aa” de “casa”, por exemplo, soam diferentes, mas não usamos sinais diversos para representá-los. Estamos abreviando o som na escrita pelo simples fato de reduzirmos a riqueza fonética ao pauperismo gráfico.
Os que rasgam as vestes de desespero ao encontrar “vc” no lugar de “você” virão certamente brandir, em tom de ameaça, a famigerada norma culta. Sou a favor. Amo de paixão a norma culta de nossa língua, mas lembro que ela é apenas a cristalização do melhor da língua. A norma culta não foi feita para bate-papos entre adolescentes cheios de hormônios furiosos. Para isso vale muito mais a escrita informal que tanto nos lembra, com suas peculiaridades e abreviações, os pergaminhos medievais. É a informalidade da língua no seu uso cotidiano que a faz rica, ao possibilitar a entrada de vocábulos e modos de expressão que ainda não têm lugar na norma culta por não terem sido experimentados e provados lenta e longamente em situações de menor tensão gramatical. Como as conversas de adolescentes.
A novidade agora é o imediatismo e a simples quantidade da comunicação escrita, graças aos meios eletrônicos. Um monge copista medieval demorava-se com seu pergaminho, feito para durar 800 anos – e mesmo assim escrevia “gntĩ” em vez de “gentium”. Hoje, quando a comunicação é imediata e feita para ser esquecida momentos depois, o cuidado é ainda menor, e com isso é ainda maior o nível de experimentação linguística, de que sairão os próximos usos comuns, que um dia, quem sabe, virão a tornar-se comuns e ricos o suficiente para que sejam inseridos e acolhidos pela norma culta.
Ata. Flw vlw.
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