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Limite é coisa séria

Foto: Brunno Covello/Arquivo Gazeta do Povo (Foto: )

Dizem nas rodas da malandragem que o princípio da sabedoria seria sabermos reconhecer nossos próprios limites. Faz sentido.

Eu, por exemplo, já desisti de comprar calças. Se o coração caridoso de quem me ama não me comprar um par de calças de vez em quando – nem que seja para que eu não seja visto em público ao lado deles com um trapo que um dia já foi uma roupa –, eu estou perdido.

Minha última incursão nos terrenos da moda foi movida pelo desespero: minha mulher estava viajando, todas as minhas calças estavam furadas ou sujas, e o tempo não estava colaborando para que secassem depressa. Vesti uma calça furada e fui à luta.

Na cidade, vi uma loja grande, com miríades de caixotes enormes, transbordando de calças. Pensei “é aqui”, respirei fundo e entrei. Meus ouvidos foram imediatamente assaltados por uma música horrível, um popzinho meloso em lá maior com uma bateria eletrônica aparentemente programada por um menininho de 7 anos de idade e um baixo que não saía da mesma nota. A nota lá, é claro.

Noventa por cento da minha capacidade mental foi imediatamente perdida, ocupada que ficou tentando impedir o meu cérebro de se revoltar, entrar em pânico e me levar a sair correndo da loja, me enfiando entre os carros no trânsito e gritando “deem-me Vivaldi!, deem-me Eric Clapton!, façam a tortura parar!”

Mas não. Comecei a procurar uma calça que me servisse. Uma calça jeans, veja bem. A julgar pela quantidade de gente enrolada nesses panos azuis com que se cruza pela rua, era de se imaginar que fosse coisa fácil. Eu ia pegando cada calça daquela montanha e apoiando contra a cintura para ver se o tamanho estava mais ou menos certo. Aí apareceu uma bela vendedora, mascando chicletes ao ritmo da música, e me avisou que eu estava na seção de calças femininas. Aproveitei para pedir ajuda: onde eu encontraria uma calça que servisse em mim?

Não, moça, não sei meu número. Eu não sabia nem que eu tinha um número, veja só como são as coisas. E olha que eu sei de cor o meu CPF e minha identidade, sei até de cor o telefone que era o da minha avó quando eu era pequeno. Eu não contei isso tudo pra ela; só disse que não sabia qual é o meu número, e fiz cara de “foi mal aí”. A moça me levou carinhosamente até uma outra seção, onde pegou algumas calças, que apertou contra a minha pobre pança de chope (eu sabia que era assim!). “O seu número é tal.”

Ela me deu algumas calças, todas aparentemente iguais, mas com preços variando loucamente, para ir ao provador. Agradeci profusamente e fui.

Todas, sem exceção, me deixavam a roupa de baixo à mostra. “É a moda!”, me explicou a moça.

Desisti. Ainda bem que é mais fácil comprar esponjas de cozinha, ou minha louça nunca seria lavada direito.

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