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Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes do movimento de Maio de 68. Kenji-Baptiste OIKAWA/WikimediaCommons
Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes do movimento de Maio de 68. Kenji-Baptiste OIKAWA/WikimediaCommons| Foto:

Cinquenta anos atrás, Paris parou. O termo “Maio de 68” veio a tornar-se resumo de não apenas uma série de acontecimentos que até hoje sacode e destrói a sociedade, como os tremores secundários que se seguem a um terremoto, mas de uma mudança social, uma mudança de eras. Assim como a Queda da Bastilha tem um antes e um depois, assim como jamais poderemos confundir o mundo anterior ao ataque de Onze de Setembro – ou ao assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando – como aqueles, tão diferentes, que se lhe seguiram, Maio de 68 tornou-se importante ponto de mutação. Ocorreu ali a passagem da modernidade à pós-modernidade, da Era Moderna (ideológica, nacionalista, racista, baseada em grandes narrativas universalistas e utopistas, em que vencia o mais forte) à Era Pós-Moderna (de que por ora só sabemos ser ocasião de dissolução, de quebra de irmandades, de brigas intestinas, de redução e ruptura das grandes narrativas da era anterior; agora vence o esperto, não o forte. O rato vence o elefante). Uma mudança que no futuro será percebida como tão clara quanto a passagem do Antigo Regime à República ou a queda final do Império Romano ocorreu naquele lugar – Paris, mais exatamente nas barricadas erigidas pelos estudantes e, subsequentemente, por operários, achincalhando os bulevares que Haussmann construiu justamente para impedir que isso ocorresse – e naquele momento – em que o som de Jimi Hendrix e Jim Morrison dava trilha sonora àquela que talvez tenha sido a primeira e única guerra televisionada mundo afora, a do Vietnã, que então os EUA já perdiam visivelmente; naquele instante em que os estudantes chineses, com aberto apoio do governo comunista de Mao Tsé-Tung, espancavam os próprios professores, violavam os túmulos de reis e filósofos e tentavam construir um mundo em tábula rasa; naquele ponto do tempo em que o líder antirracista Martin Luther King Jr. acabara de ser covardemente assassinado; naquele momento da História em que Dilma Rousseff e sua gangue de terroristas da “Vanguarda” “Popular” Revolucionária covardemente assassinaram o recruta Mário Kozel Filho, usando por arma um carro-bomba com dinamite; poucos meses antes da União Soviética mandar seus tanques calar as vozes da liberdade que se haviam levantado na Primavera de Praga; no ano em que Jacqueline Onassis (a altiva primeira-dama que amparara o corpo do presidente americano JFK enquanto ele tombava, assassinado) reduziu-se a mulher-troféu do rude novo-rico Aristóteles Onassis. No Horóscopo Chinês, era o Ano do Macaco. Foi ali. E foi dali que vieram tantos horrores que até o momento de hoje assombram a nossa sociedade. A geração dos estudantes que arrancaram os paralelepípedos das ruas parisienses, crendo achar debaixo deles a praia onde fariam o luau, a festa de seus sonhos, é hoje a geração que está no poder. Temer tinha então 27 anos. Lula, 22. Trump, 21. Seus sonhos transformaram-se nos pesadelos que hoje vivemos. “É proibido proibir”, um de seus lemas, fez com que o superego da sociedade passasse a ter como único objetivo impedir que a sociedade tenha um superego. A polícia prende para evitar linchamentos, e a justiça liberta logo em seguida; afinal, “é proibido proibir”. Protestar na rua tornou-se ato nobre, tão mais nobre quanto mais destruidor ele for; daí os ônibus incendiados, daí os carros virados, os vidros quebrados, o vandalismo com que os filhos e netos de Maio de 68 marcaram os protestos brasileiros de 2013. As famílias tradicionais – monogâmicas, indissolúveis, reprodutivas – foram praticamente abolidas nas classes mais pobres (os ricos sabem se proteger) pelo sexo livre, libérrimo, libertado talvez por um golpe de paralelepípedo de barricada parisiense de Maio de 68. O resultado é claro: já estamos na terceira ou quarta geração de filhos criados sem pais, por mulheres que os confiam à TV durante sua dupla jornada; a explosão das perversões sexuais, para não falar dos abusos sistemáticos das crianças vitimadas pelos sucessivos padrastos com que são forçadas a conviver; as epidemias de doenças sexualmente transmissíveis, falsamente controlada por um meio (a camisinha) que serve mais como propaganda que como proteção efetiva… Tudo isso está na conta de Maio de 68. Já os descendentes espirituais da gigantesca multidão que se levantou em Paris contra a revolta – multidão que a História parece ter esquecido – viram-se reduzidos a lixo jogado das janelas do automóvel em disparada que conduz, ou parece conduzir, a sociedade a um estado de revolução permanente, girando perpetuamente em torno de categorias de véspera inexistentes – quem aqui ouvira falar de “mulheres-trans” antes de a imprensa mundial, em peso, subitamente, da noite para o dia e com verba tão farta que chega a assustar quem já tenha tentado fazer uma campanha publicitária, trazer seus sofrimentos ao primeiro plano de suas reportagens, como quem descobrisse um novo elemento químico? A geração de Maio de 68 não toma prisioneiros: tudo é dela, tudo lhe é de direito, e seu papel no mundo é construir uma utopia. Comparando-se, contudo, os vagos problemas que apontavam na sociedade de então com os – estes sim, realíssimos – problemas da sociedade de hoje, vemos que não houve nobreza alguma nos seus atos de destruição; muito pelo contrário. Daniel Cohn-Bendit, então jovem líder revolucionário e hoje, claro, poderoso político do Partido Verde europeu, interpelou um político sobre “os problemas sexuais da juventude” (que consistiriam na proibição da entrada de rapazes nos alojamentos universitários femininos). O ministro respondeu-lhe que deveriam ser devidos à aparência do rapaz, o que não deixa de ser uma resposta verdadeira. Mas e os problemas sexuais da juventude de hoje? E a gravidez de meninas de doze anos de idade, evidentemente fora do casamento? E a prostituição generalizada, ainda que na forma cantada por Chico Buarque (23 aninhos em Maio de 68) das moças que, “por uma joia falsa, um Sonho de Valsa”, “só dizem sim”? O que então era a descrição de uma habitante especialmente decaída do submundo boêmio tornou-se descrição-padrão das meninas de família de hoje, aos quinze anos de idade. Os que hoje têm a idade dos revolucionários da época (ou dez anos a menos; a cada ano a idade de iniciação sexual parece abaixar) têm sexo fácil, facílimo; basta-lhes um mínimo de espírito cafajeste. Já intimidade, amor, carinho, fidelidade, todos esses “detalhes” foram jogados para fora da janela do automóvel em disparada da revolução de Maio de 68. Basta que a intimidade que o próprio sexo traz chegue a um dado ponto para que eles entrem em pânico e fujam, em busca de outro parceiro de sexo que não queira chegar perto demais de seu coração. Pois foi isso que as imbecilidades de Maio de 68 fizeram ao libertar as braguilhas, proibir as proibições e fazer do protesto inane um ato de nobreza: negar o valor do coração humano, negar a nobreza que há não em proibir os outros, mas em proibir-se, em educar-se, em acrisolar-se, em forçar-se a crescer como pessoa. Maio de 68 foi a morte da busca da perfeição, jogada ao lixo em troca de prazeres baratos, em cujas consequências a médio e longo prazo ninguém quer pensar.

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