Neste carnaval, o grito da moda foram os adesivos (tatuagens, sei lá como se chama) com a frase “não é não!”. Nada contra, a priori, muito pelo contrário; quem me conhece sabe que uma das coisas em que sou absoluta e completamente irredutível é no simples fato cavalheiresco de que na inter-relação dos sexos é o feminino que tem a primazia. Quem manda, quem escolhe, é a mulher. E é ótimo que seja assim. Ao ver a farta adesivagem, lembrei-me, contudo, duma reclamação que vi outro dia. Uma moça se lamentava de que havia dito “não” para um rapaz, na esperança de que ele insistisse mais, se esforçasse mais. E o rapaz, para sua decepção, botou a viola no saco e foi embora.
Afinal, o “não” que na verdade não é nem nunca foi “não” – no máximo “agora não” – sempre foi uma parte importantíssima do arsenal feminino, justamente para dar às moças a satisfação de saber que o interesse do rapaz é tamanho que não será qualquer obstáculo que o impedirá de estar ao lado dela. Coisa, aliás, fundamental quando se lembra que na verdade toda essa bela dança não tem por objetivo (ou não deveria ter) apenas o acasalamento à moda dos bichos irracionais, sim toda uma vida em comum, tendo filhos e criando-os, e sendo companheiros por décadas numa longa vida em comum. O sujeito que desiste da moça no primeiro imprevisto é o mesmo, ou poderia ser o mesmo, que a abandona quando ela fica doente ou, por qualquer outra razão, não lhe é mais tão agradável a sua companhia. Faz sentido que a moça queira ter este excelente instrumento de filtragem, que a deixa com a faca e o queijo na mão, durante a primeira etapa deste processo.
O que aconteceu com as relações entre os sexos de Maio de 68 pra cá foi, no fim das contas, uma tragédia para a mulher. Em primeiro lugar, cronologicamente, a “libertação” feminina, entre muitas aspas, consistiu na verdade numa reles tentativa de arrastar a mulher para baixo, até que ela se igualasse ao homem no lodo primevo em que nós, portadores de gogó e outros detalhes anatômicos, nadamos. Mulheres, todavia, não são homens. Já dizia Tom Jobim que mulher é outro bicho. O modo pelo qual o ser humano do sexo masculino naturalmente lida com o sexo é, na melhor das hipóteses, na mais generosa das leituras, irresponsável. Afinal, quem tem de lidar, pela própria natureza, com as consequências do sexo são as mulheres. Homem não engravida, e é apenas a razão auxiliada pela graça que poderá fazer com que ele se mantenha ao lado da companheira durante os longos meses de gravidez e os ainda mais longos anos de infância e adolescência dos filhos. Apenas quando chegar à idade avançada, via de regra, será evidente para ele a vantagem de ter uma companheira amada ao seu lado. Até lá, a grama do vizinho será muitas vezes mais verde, e a moça bonita que passa, mais interessante que a Patroa em casa. Daí a necessidade feminina de escolher, e escolher muito bem.
O que aconteceu com as relações entre os sexos de Maio de 68 pra cá foi, no fim das contas, uma tragédia para a mulher
No começo da década de 70 do século passado, era comum que as moças se forçassem a imitar rapazes e, pior ainda, que a pressão social da parte dos “progressistas” todos agisse no sentido de torná-las muito mais promíscuas que o que elas mesmas jamais sonhariam em ser. Já para os rapazes, tudo era alegria: se antes eles precisavam no mais das vezes esperar até o casamento para ter relações sexuais com moças “normais” (não prostitutas, que sempre as houve), quando as moças de família começaram a tentar fingir serem rapazes no quesito promiscuidade a vida ficou tremendamente mais fácil para eles.
A reificação – objetificação, coisificação, como preferirem – das mulheres avançou com botas de sete léguas, por ter na prática arrancado delas a arma mais forte que tinham: a expectativa social de que elas só cederiam às sempiternas investidas dos rapazes após terem arrancado deles a promessa solene, feita diante de toda a sociedade reunida diante de Deus, de que eles cuidariam de todas as necessidades delas até que a morte os separasse. Provavelmente era o preço mais caro dentre todas as transações feitas por um homem ao longo da vida, mas é um preço que vale a pena, ainda que ele mesmo só o perceba, como escrevi mais acima, tardiamente. Mas, como homem é um bicho burrinho mesmo, faz-se necessário que haja esse tipo de mecanismo social.
Pois foi este mecanismo que foi arrancado das mulheres com a desculpa de sua “emancipação” (quantas aspas num texto tão pequeno! Peço perdão a ambos os meus leitores). Ao contrário, até: negar-se a ter relações passou a ser, em pouquíssimo tempo, “regular mixaria”. O que era antes a joia de mais alto preço – a intimidade feminina – passou a ser uma besteirinha, valendo ainda menos que “uma joia falsa, um sonho de valsa ou um corte de cetim”, nas palavras do poeta. A expectativa passou a ser a entrega total da moça. E quando digo entrega total, é porque há uma diferença crucial entre homem e mulher neste quesito. A primeira coisa que um ET perceberia ser diferente entre os sexos é que a mulher recebe em seu interior, enquanto o homem projeta-se para fora. E isso vale também psicologicamente: a mulher, por definição, ao entregar-se sexualmente a um homem, está se colocando numa posição em que ela está sozinha num quarto com uma pessoa maior e mais forte que ela, que entrará dentro dela, literalmente, deixando lá algo que pode vir a se tornar uma criança pela qual ela terá a responsabilidade pelo resto da vida. Não é pouca coisa. Já para o sujeito, é muito mais fácil esquecer aquilo, limpar-se na cortina e nunca mais pensar na moça.
É no mínimo desonesto querer colocar em pé de igualdade ambas as situações, ainda que aquele breve período em que existiram antibióticos capazes de curar todas as doenças sexualmente transmissíveis e pílulas anticoncepcionais sem que, todavia, existisse a Aids e houvesse consciência do papilomavírus tenha podido fomentar a ilusão de que seria possível também para as mulheres o sexo sem consequências. Ora, em primeiro lugar ninguém perguntou às moças se elas estavam tão terrivelmente interessadas em sexo sem consequências. E, em segundo lugar, ninguém havia parado para pensar e examinar a questão de que a ausência de consequências físicas de monta não significa nem jamais significaria a ausência de consequências psicológicas. O ato sexual tem dois fins: o procriativo, frustrado pelos contraceptivos, e o unitivo. Este os contraceptivos não afetam, e ele tem um efeito muito mais forte sobre as mulheres que sobre os homens. Sexo gera intimidade e a aumenta, e a moça que vai para a cama com um rapaz mais vezes estará mais e mais ligada a ele. Também ele se liga a ela, mas enquanto ele pode ir-se cansando ela vai aumentando mais e mais sua ligação.
O resultado foi o lastimável estado a que chegaram as relações conjugais (já não mais apenas sexuais) neste novo século. O que mais há, especialmente nas classes mais baixas, é mulher criando os filhos sozinha ou, na melhor das hipóteses, acompanhada pela mãe e pela avó, todas elas mães solteiras ou, melhor dizendo, viúvas de marido vivo. Estes só se fazem presentes – e isso quando trabalham de carteira assinada – por uma pensão alimentar, que por não poder passar de um terço da renda vai diminuindo para as mães dos filhos que tenham espalhado pelo mundo sem que jamais aumente para eles.
E continua o delírio, continua a fantasia perniciosa de que as moças querem é agir como rapazes. Muitas, aprisionadas pelas horrendas e antinaturais expectativas que se formaram em torno de sua, arrã, “generosidade” sexual, tentam convencer-se de que o pequeno prazer sensual de lamber as línguas de 20 rapazes compensa a falta de poder na relação, a perda da capacidade de escolha e de manutenção de um companheiro para a vida toda. Estas, pobrezinhas, para tentarem manter apenas um módico de dignidade própria, veem-se quase obrigadas a “explicar” que “não é não”, tendo-lhes sido arrancada a possibilidade, tão melhor para elas e tão mais “empoderante”, para usar o anglicismo da moda, de que o “não” seja meramente um “talvez”.
E foi esta a tônica deste carnaval. Pobres moças!
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