Foto: Saul Loeb/AFP | Foto:

Meus dois ou três leitores assíduos sabem que não morro de amores nem pelo Trump nem pelos EUA, que considero – em termos civilizacionais – algo como ianomâmis com dinheiro e mísseis. Mas torci pelo Trump nas eleições americanas, porque ele, apesar dos pesares, colocou-se como candidato da paz. Infelizmente, contudo, assim que assumiu a presidência ele se danou a soltar bombas, parecendo haver assumido junto ao cargo a irracionalidade agressiva que caracteriza os governos americanos desde seu início, e que, nos dias de hoje, pode e deve ser apontada como orientada pelo complexo industrial-militar umbilicalmente ligado ao Legislativo e superior em muitos aspectos ao Executivo, em termos de poder prático.

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Pessimismo da minha parte, percebo e confesso agora. Com todo o horror que me provoca a política anti-imigratória de Trump, com suas separações familiares e prisões para gente que só leva vantagens para os EUA (desde civilizacionalmente até em termos práticos de trabalho barato), tenho de dar o braço a torcer na sua política exterior.

A primeira grande surpresa foi o encontro com o ditador norte-coreano – que o próprio Trump declarou que não teria sido possível sem a troca ginasial de insultos via tuíter, numa demonstração de conhecimento de psicologia de ditadores que ajuda a lembrar que se trata do autor de um livro exatamente sobre negociações. Mais ainda, no encontro ele não tentou forçar a linha do complexo industrial-militar. Ao contrário, até: os resultados foram um primor de bom-senso. Acabaram as absurdas provocações americanas, em que regularmente a marinha americana, com as Forças Armadas sul-coreanas correndo atrás como o irmãozinho chato do amigo adolescente querendo participar de tudo, simulavam tão bem simulado uma invasão da Coreia do Norte que para invadir de verdade bastaria virar uns graus para o lado, bem na hora da colheita (o que obrigava a Coreia do Norte a desviar dos campos para a defesa muitos braços, num país em que, graças aos horrores do comunismo, comida não é algo fácil de encontrar). Em troca, os norte-coreanos devem abster-se de provocar os vizinhos atirando mísseis por cima deles. Nada mais justo. E ainda paira no ar a possibilidade de desocupação da Coreia do Sul pelos americanos, que lá mantém hoje entre vinte e trinta mil soldados e, desconfia-se, algumas bombas nucleares.

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Segundamente, está agora o homem que costumava ser cor-de-abóbora declarando para quem quiser ouvir que pretende acabar também com a ocupação da Alemanha. No que, mais uma vez, tem toda a razão do mundo. Os americanos seguraram o fronte ocidental contra Hitler enquanto os russos acabavam com as tropas alemãs até 1945. Alguém nascido no dia da morte de Hitler já seria formalmente idoso hoje em dia, com direito até a passagem de ônibus de graça e cabelos pintados de acaju. O que cargas d’água 35 mil soldados americanos ainda estão fazendo na terra das cervejas e salsichas?! Aliás, diga-se de passagem, no mesmo fôlego Trump tem-se pronunciado contra a Otan, que além de não fazer sentido mais algum (ou alguém acha que Putin pretende invadir Paris?) só serve para acirrar ânimos, gastar dinheiro e dar à Turquia neo-islamofascista de Erdogan fumaças de respeitabilidade. Será um enorme trunfo para a paz se ele conseguir desmanchar aquele esquema e deixar que os europeus cuidem de sua própria defesa – que, aliás, a esta altura do campeonato não é contra tropas estatais armadas, mas sim contra o islamofascismo crescente entre os filhos e netos nativos de imigrantes do século passado, correndo algum risco de contaminar as partes das multidões de recém-chegados que não venham de países em que tenham podido ver o que é isso na prática no poder.

Terceiramente, apesar de todo o bestialógico patético de maus perdedores dos membros do Partido Democrata, tentando pintar Trump como fantoche de Putin eleito por truques sujos, o presidente americano vai ter finalmente um encontro cara-a-cara com Putin este mês. Na mesa provavelmente estará a situação da Síria, em que os Estados Unidos bancam grupelhos de terroristas islâmicos contra o governo legítimo (e protetor dos cristãos) e a Rússia assumiu o papel de polícia internacional, defendendo os cristãos e dando uma merecida surra nos paus-mandados islamofascistas do governo americano, dentre os quais, espantosamente, está a mesma Al Qaida que derrubou as torres gêmeas de Nova Iorque. Trump já disse que quer tirar os EUA da Síria. Numa conversa com Putin, os meios para fazer isso sem parecer estar perdendo algo podem surgir.

Em suma, Trump parece estar tentando honestamente cumprir suas promessas de campanha e diminuir a obscena e absurda presença militar americana mundo afora, que, geopoliticamente falando, é o maior avatar do caos desde as invasões mongóis séculos atrás. Os EUA já estão à beira de conseguir acabar com o cristianismo no Oriente Médio, onde ele nasceu. Já conseguiram devastar a ordem social de tantos países, que a Europa vê-se hoje assoberbada por refugiados das guerras americanas. Já passou a hora de desmanchar a gangue de vândalos internacional que são as Forças Armadas americanas. Os EUA, a rigor, sequer precisam de forças armadas. Seu território é protegido por dois oceanos, um de cada lado, com um país pacífico ao exagero e que só não faz parte dos EUA por praticidade imediatamente ao Norte, e um país pacífico e sem interesses militares ao sul. Um exército pequeno, proibido de agir fora do país, que servisse para o caso de alguma emergência, somando-se à forte parcela da população americana armada (há mais armas nas mãos de civis que habitantes nos EUA) já mais que bastaria para qualquer caso de defesa possível. Não espero que Trump consiga ir tão longe; qualquer passo nessa direção, contudo, é um avanço a celebrar.