Ninguém aguenta mais ouvir falar da exposição do banco Santander em que todo tipo de perversão sexual era apresentado a crianças, acompanhado de “artes” como hóstias com palavrões escritos. O que eu venho apontar aqui, contudo, talvez seja um pouco diferente das reações médias, da indignação da direita à defesa confusa de um suposto direito de expressão da esquerda.
O que mais me chamou a atenção na exposição é o seu amadorismo. Na verdade, o jeitão dela era todo o de uma feira de ciências de colégio suburbano, com quadros com todo o jeitão de terem sido pintados por crianças de 12 anos (inclusive na pornografia) e maquetes de vulcão mal feitas, tudo com o objetivo de “passar um conteúdo” que valha uma nota. E qual era o conteúdo da exposição queer (termo que significava originalmente “esquisito”, mas que foi adotado como sinônimo de “homossexual”)? Era basicamente o que as pobres crianças de hoje aprendem na escola e na mídia desde a mais tenra idade, a herança orgulhosamente contracultural do Maio de 68: a desconstrução e a desmitificação. Sem jamais entender direito o que significa a Independência do Brasil, por exemplo, e sem que sejam postas por um instante que seja a pensar nas alternativas então possíveis, as crianças aprendem que dom Pedro estava montado numa mula e com diarreia, ou sei lá que besteira se venha a dizer. A história passa a consistir de uma sucessão de ridículos, de modo a “vacinar” as crianças contra a noção de autoridade, contra a admiração pelos feitos de nossos ancestrais etc. A literatura passa a celebrar a vida sexual dos escritores, em detrimento daquilo que os faz escritores: a sua arte. A geografia acaba parecendo a muçulmana, que divide o mundo entre “território da submissão” (o Islã) e “território da guerra” (todo o resto, como os europeus vêm descobrindo): os países mais desenvolvidos não são desenvolvidos, são monstruosos; os países pobres não estão em vias de desenvolvimento, e sim sendo estuprados pelos poderosos, que cometem o crime de comprar os produtos que produzimos. E por aí vai.
O termo técnico para essas tentativas de puxar o tapete sob toda a narrativa civilizacional e patriótica é “subversão”; lembro-me até hoje da minha avó observando, indignada, que alguns deputados cassados pelos militares batiam no peito por terem sido cassados por subversão, não por corrupção. Ora, a subversão é a pior forma de corrupção: é a corrupção ativa e direcionada contra o âmago da sociedade, contra aquilo que é partilhado por todos os cidadãos. A subversão significa justamente o ataque às bases da ordem social. E de Maio de 68 para cá estas bases são atacadas constantemente pelos mesmíssimos meios que deveriam se dedicar a mantê-las. As escolas, por exemplo, têm – ou deveriam ter – como missão precípua a manutenção da ordem social pela transmissão do conjunto de valores e conhecimentos que perfazem a herança cultural que cada membro da nossa cultura e civilização tem o direito de receber. Mas não. Elas, assim como a mídia, percebem-se hoje como “agentes de mudança”. Mudança rumo a quê, isso ninguém sabe. O que se sabe é que seria de alguma forma um dever, a quintessência mesmo do ensino paulofreiriano ou do jornalismo uspiano demolir todo sinal de civilização, toda ordem herdada dos ancestrais.
Daí imbecilidades como a tal exposição queer do Santander (ironicamente, uma instituição com nome de santo; nada mais tradicional), ou como o próprio festejar incessante do “trans” e do queer, do que não se encaixa, do que se nega a aceitar a realidade biológica e social. Não se trata de uma campanha em prol de algo, por mais que – por motivos puramente políticos e de propaganda – finja-se que seja. Não se está defendendo os direitos de quem quer que seja, mesmo porque direitos que são inventados na hora, inexistiam cinco anos atrás e rapidamente serão abandonados em favor de outros mais recentes dificilmente seriam direitos reais. O que se está fazendo é um ataque sistemático às bases mesmas da sociedade e da civilização – de qualquer civilização; não estou falando simplesmente da civilização ocidental, em cujos subúrbios estamos. E quando eu digo que é às bases, não exagero: o ataque visa coisas tão básicas quanto o masculino e o feminino, necessários para a própria reprodução da espécie; a noção hierárquica de superior e inferior, necessária para qualquer reta ordenação social; a noção ético-moral de certo e errado, necessária para o juízo das ações que nós mesmos encetamos. É a destruição da possibilidade mesma de sociedade que esses processos irracionais almejam. O que importa para quem entrou nessa barca foucaultiana é a desconstrução de paradigmas e a desmitificação de coisas que, no mais das vezes, de mitos não têm nada. Não é mito que homens sejam diferentes de mulheres. Aliás, esta é uma realidade maravilhosa, e o homem que tenta ativamente diminuir sua masculinidade, assim como a mulher que procura combater a sua feminilidade, estão tentando misturar água e óleo. É impossível. A masculinidade e a feminilidade estão inscritas em todas as células do corpo da pessoa, e não importam em nada os delírios identitários que alguém que misture desejos venéreos com identidade.
Mas mesmo assim, apesar de ser uma causa perdida desde o início, há gente boba o suficiente para – como bom aluninho, CDF, que leva uma maçã para a professora todos os dias – engolir sem pensar o bestialógico que se lhe apresenta como se fosse a mais suma sabedoria e seu mais reto dever. E são estes, os bons aluninhos, que aprendem desde cedo que o que faz um trabalho ganhar boa nota é a quantidade de subversão que ele traz em si. A geração que tinha 20 anos em Maio de 68 conseguiu perverter as seguintes, e hoje as melhores mentes da geração que hoje tem seus 20 e poucos se veem vivendo a ilusão de que a subversão é um dever cívico e uma ação nobre. O que começou como um levante dos jovens contra os velhos (“não confie em ninguém com mais de 30 anos” era um dos lemas de 68) tornou-se uma campanha de subversão encetada por velhos de 70 anos de idade usando a força dos bons meninos obedientes de 20.
Ora, o que é a subversão? Literalmente, a palavra significa “deitar abaixo, derrubar”. O objetivo do ensino e da programação televisiva hoje em dia é fazer com que o aluno deite abaixo, derrube qualquer coisa que lhe seja apresentada como digna de respeito. “Irreverente” tornou-se um elogio! Convenhamos, isso é a mais perfeita receita para a criação de uma sociedade anômica em que 60 mil homicídios por ano parecem normais. Festejar-se o que é diferente da regra implica necessariamente em festejar-se a criminalidade, o lucro obtido pela violência desordenada e todos os demais sinais de que o tecido civilizacional se esgarça, deixando vazar a escravidão aos sentidos mais perversos e básicos. A sociedade é substituída pelos desejos venéreos e demais formas de concupiscência que ela sabia ordenar para fins melhores. O Davi de Michelangelo dá lugar a desenhos infantis de copulação com cabras. Quando a História passa a ser a apresentação em flashes de um Pedro Álvares Cabral farsesco que não consegue se comunicar com os índios, seguido de um dom João VI que só se preocupava em comer franguinhos, por sua vez dando lugar a um filho mulherengo que teve uma diarreia e então proclamou a independência etc., o que se tem não é História do Brasil, “desmistificada” ou não. O que se tem é uma palhaçada da qual ninguém se orgulharia de fazer parte. E quando a isso se soma o festejo do bizarro, a entronização das sobrancelhas de lagarta da pobre Frida Kahlo, a celebração do drag queen etc., o que se tem é uma tentativa de demolir a sociedade sem que sequer se dê aos jovens o direito de conhecer esta mesma sociedade antes de demoli-la.
Vejamos, por exemplo, as brincadeiras pipi-cocô-meleca dos “artistas” – que na verdade nem mesmo arteiros seriam, na medida em que fazem o que fazem por tê-lo aprendido na escola – da exposição do Santander. Um, ou um coletivo deles, sei lá (minha paciência também tem limites, ainda que tremendamente elásticos), resolveu que seria uma ótima ideia comprar um monte de hóstias (feitas para a celebração da Missa) e escrever nelas “pipi-cocô-meleca”, ou o equivalente. Até os 12 anos daria para descontar e relevar. Eu mesmo já vi, numa escola invadida durante as férias, uma pichação “viva a punheta” num quadro-negro. Não é exatamente um atestado de maturidade, e esse tipo de “intervenção artística”, depois de completada a puberdade, fica difícil.
Mas a ideia é evidentemente tão somente épater les bourgeois, “espantar os burgueses”. Ora, isso não espanta mais absolutamente ninguém. “Viva a punheta”, como qualquer afirmação “pipi-cocô-meleca” feita por alguém que já faz a barba, é no máximo constrangedor. Os idiotinhas que fizeram a “arte” provavelmente nunca haviam nem sequer visto uma hóstia de perto. Só o que sabiam era que aqueles objetos tinham um fim precípuo, que eles negaram ao fazer deles objeto de uma simples e crua manifestação de ódio. A negação dos fins precípuos dos componentes de uma sociedade é a essência mesma da subversão.
O mesmo vale para todo o resto que se viu da tal exposição nas redes sociais. Desenhos medonhos de atos sexuais depravados serviriam para “desconstruir” a sexualidade, sem que em momento algum pareça passar pela cabeça desse pessoal que sexo serve basicamente para garantir que a raça humana não se extinga, o que não será impedido por injeções de esperma em meio a fezes. Macacões de astronauta com zíperes em lugares estratégicos serviriam para que as crianças “explorassem o gênero”, como se fosse preciso ou mesmo saudável levar as crianças a fazer algo em que em breve será preciso conter os adolescentes para que não passem dos limites em suas descobertas.
O que se tem, assim, nesta e noutras exposições do mesmo calibre, é simplesmente o material que ganharia uma boa nota na escola, a “desmitificação” ou “desconstrução” que, num nível de escola primária, uma professorinha cheia de brilho paulofreiriano nos olhos poderia achar bem feita. Algo que “assuste os burgueses”… de maio de 1968. Algo que solape as bases da sociedade humana (o masculino e o feminino, ergo a família, ergo as associações voluntárias, ergo os fins precípuos dos componentes sociais etc.), abrindo espaço para que o governo federal, o Google e o Facebook disputem a propriedade das almas dos cidadãos. Algo, em suma, que não existe senão como negação: negação dos sexos, da hierarquia, da existência de um bem ou de um justo. E quem lucra com isso, claro, são os poderosos. Mas aí já é tema para outro texto.
O problema da exposição não é o suposto incentivo à pedofilia; este é muito maior na onipresença do funk e na erotização da infância na televisão. Tampouco, menos ainda, seria ele a sugestão de zoofilia: desenhos tão malfeitos não levariam ninguém a fantasiar noites de amor com uma cabrita ou um porco-espinho. O problema dela é que ela é perfeita e completamente careta, mainstream e encaixada ao último detalhe num afã subversivo institucionalizado que os próprios “artistas” não têm capacidade de reconhecer. É uma imbecilidade de nível primário ou ginasiano.
O problema é que um banco – e as redes de tevê, e o próprio governo, para não falar de toda a academia em ciências humanas, as ONGs e o que mais houver – entrou nesta imbecilidade e tratou o pipi-cocô-meleca como arte, somando-se às forças que desejam a subversão apenas por acreditarem, sem muito exame, numa fantasia de que o que virá após a destruição desta sociedade seria indubitavelmente algo melhor. Adoraria estar de acordo com eles, mas, quando se vê que a produção humana após serem retirados os limites morais consiste em desenhos malfeitos de idiotas tendo relações genitais com animais, fica difícil.