Tenho uma ambição que, admito, poderia ser mais simples: ser reconhecido por algumas expressões. Por exemplo, trago ao meu jugo a criação da expressão calote amoroso, algo relacionado a tudo aquilo que esperamos da vida e não foi concretizado. Talvez não seja tão boa, mas é de minha lavra e um dia registrarei em cartório – às mulheres desconhecidas, explano como se fosse um filósofo antigo ditando seu memorando. A segunda expressão é prafrentex, que amigos de longa sabem que uso desde os idos de 2000, mas que provavelmente roubei de Hermes & Renato sem dar os devidos créditos. Juro que não foi intencional.
A terceira expressão, que penso em expandir como torcedores do Corinthians, criei hoje e chamarei de Paradoxo do Cozinheiro. Explico: nestes últimos dois meses integrei um projeto de jornalismo hiperlocal, onde fui oficineiro de jornalismo em si – ou aquilo que acredito ser jornalismo – e diagramador do material produzido por estudantes de 14 a 15 anos. Acredite, diagramar, aos meus olhos, é selvagem.
Digo isso antes de articular que todo jornalista tem em sua alma um ombudsman particular. Reconheça, colega. Você abre o jornal, olha o nome e já pensa: “Quem é essa pessoa?”. Em cada mão, três pedras. Nós criticamos a chamada de capa, reclamamos da tucanada que o editor deu na nossa matéria, questionamos o lide do colega de Vida & Cidadania, acreditamos que, no fundo, somos repórteres do Le Monde, apenas sem espaço para difundir nossa voz colossal, mal entendemos como ainda não ganhamos um Goncourt, um Booker Prize.
O nariz-de-cera todo é para dizer que por um tempo tive um hobby maldoso de criticar o projeto gráfico dos jornais que distribuía e lia – fui jornaleiro por sete anos, o que me permitiu roubar jornais antes do começo do dia. Mas como especula aquele ditado sobre línguas e chicotes, o meu dia chegou. E chega ainda, desde 2010, quando comecei a editar um pequeno jornal de literatura e a diagramar com mais constância. Meu caro, minha cara, diagramar é selvagem. Admiro quem bem o faz. Pra mim, é como se tivesse que aprender inglês com irlandeses. Esta semana, por exemplo, estive diante, novamente, do que considero o Paradoxo do Cozinheiro: montar um jornal comunitário mesmo sendo um diagramador medíocre, e reconhecer, mais uma vez, como é difícil montar um jornal, decidir distribuições, analisar conteúdo e melhores performances, colocar cinza ao invés de preto.
Não sei se você acompanha o Observatório de Imprensa, mas este ano se completam 25 anos do serviço de ombudsman no Brasil, projeto fundamental de crítica ao jornalismo brasileiro, iniciado na Folha de S.Paulo. Estão fazendo uma série muito bacana sobre os detentores históricos do cargo. Mas devo confessar uma coisa: toda vez que diagramo um jornal, fico com a sensação de que perco a integridade de criticar os colegas – eu mal sei fazer um text wrap – e amaldiçoo cada ombudsman desse país. (São poucos, um da Folha, outro de O Povo, outro do RelevO, mas bem menos terrível).
No fim das contas, o jornal comunitário ficou defensável, apesar da minha diagramação horrível de capa. Lembro agora de uma amiga, talvez bêbada, a fazer um jantar psicodélico, em que misturou coisas que não sei bem dizer quais eram. Alguns amigos mais sóbrios, evidentemente, reclamaram, no que ela respondeu, em movimento: “Então, cozinhem, seus porras!”.
Cozinhar é difícil, muito difícil.
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