Filme parado
Acredito piamente: os grandes amores acabam no gesto.
Não é que ele se encerre como num comercial de tevê ou aconteça da imprevisibilidade humana atingir infinito colapso. Refiro-me ao momento da constatação racional do fim do amor.
Uma amiga conta-me que descobriu o fim de seu idílio quando, durante os trâmites do covil, seu namorado, ao retirar a sua blusa, não executou o movimento até o fim, deixando-a como que sufocada.
Outro me relata ter percebido que tudo acabou quando a namorada, muito ciosa de seus hábitos higiênicos, palitou os dentes em sua frente. Ali intuiu que o amor esvaído era o dela – ele, desconfio, ainda o sente em algum recôndito.
Marcou-me também a história do colega de redação que descobriu a trama de traição da companheira a partir da semana em que ela parou de dobrar as próprias roupas.
O meu revogou-se em um comentário negativo sobre o filme Iris.
São Paulo: Aleluia de Mim
Congonhas amanheceu nesta quinta-feira repleto de cartazes de aeroviários. Para todos os gostos: pau na presidenta, pau no governador, pau na administração do aeroporto, até em Ricardo Boechat, considerado um burguês safado por uma das cartolinas.
Gosto de São Paulo. Um fotógrafo disse-me ser esta uma cidade suja e confusa. De fato, para mim, São Paulo tem o tamanho de onze ruas, quatro pessoas e do cobrador da linha de ônibus Jabaquara, com o antebraço tatuado Durvalina.
Também desta canção que conheci numa manhã de domingo de Mercado Municipal:
In Utero
Conheci ontem a poesia engajada de Angélica Freitas. Ainda não sei o que pensar, mas senti-me impactado.
Deixo aqui um trecho constituído em Um útero é do tamanho de um punho.
A mulher é uma construção
a mulher é uma construção
deve ser
a mulher basicamente é pra ser
um conjunto habitacional tudo igual tudo rebocado só muda a cor
particularmente sou uma mulher
de tijolos à vista
nas reuniões sociais tendo a ser
a mais mal vestida digo que sou jornalista
(a mulher é uma construção
com buracos demais
vaza
a revista nova é o ministério
dos assuntos cloacais
perdão não se fala em merda na revista nova)