Era começo de 1998, eu tinha acabado de completar 13 anos e jogava a minha primeira semifinal de um campeonato de futsal. Nesta época, a SOBA (Sociedade Operária Beneficente de Araucária) abrigava os treinos do Professor Eduardo, da Escola Municipal Elizabeth Werka, considerada por muito tempo como centro de excelência educacional e esportiva – todos queriam vencer a escola do uniforme amarelo e marrom nos Jogos Escolares anuais.
Meu primeiro Jogos Escolares foi em 1997. Xadrez. Venci uma peleja e perdi duas, o que me deu uma classificação geral bem modesta. [Meu pai insistia que devia jogar futebol.] Como morava perto do Ginásio de Esportes do Parque Cachoeira, sede dos Jogos, nos fins de tarde aparecia por lá pra quebrar a bola na imensa e assustadora quadra do Joval de Paula – vê-la ainda hoje me desperta um sentimento de insignificância.
O Professor Romeu gostava de mim e sempre me convidava pra treinar com o grupo da minha idade que representava a cidade nos torneios de futsal da região. Mas meu negócio era com o xadrez e, em certos momentos, com o futebol de campo – por onde anda você, Professor Vandinho?
Quando abriram as inscrições para o campeonato da SOBA, o Professor Romeu insistiu para que entrasse numa equipe de até 15 anos, mesmo sabendo da possível humilhação que seria jogar contra o time da casa. Sei que cada um pagou cinco reais e fizemos um catadão para jogar o grupo 2, que contava com o time Sub-13 do Werka.
Bem, quem já jogou competição com informações preliminares sabe do tipo especial de nervosismo e ansiedade que percorre o nosso corpo quando entramos em quadra (ou campo) e ainda há uma torcida barulhenta e contrária. Não quero falar muito deste jogo, que vencemos por 5 a 3, com três gols meus – o time Sub-13 era bem ruim, na verdade. Vencemos o segundo jogo de um combinado do Jardim Industrial por 2 a 1 (talvez esteja inventando o resultado, mas foi diferença mínima) e perdemos para uma equipe Sub-15 do Estação – tudo no mesmo dia.
Chegamos à semifinal, então, para jogar com o time Sub-15 da SOBA, reconhecido por nunca ter perdido em Araucária e formado por jogadores que já jogavam em equipes importantes de futsal de Curitiba, como o Clube Cultural, o Paraná Clube e o Colégio Estadual do Paraná.
Tínhamos visto um jogo anterior deles pela última rodada do classificatório e recordo-me até hoje do meu desespero ao ver como jogavam, bola de pé em pé sem dar tempo de chegar a marcação, uma finalização por ataque, goleiro-linha que chutava até assombração. A diferença de gols deve ter sido de mais de dez porque até os dois reservas estavam deitando em quadra.
Um pouco antes de entrar em quadra, comentei com o João Carlos, que tinha um apelido horrível e que não irei contar aqui pra ti porque tenho vergonha, sobre a nossa triste sina e o que poderíamos fazer pra não sermos vilipendiados em quadra – não usei esta palavra na época, certamente. Uso-a hoje sem saber exatamente seu significado.
João Carlos era meu amigo porque eu passava cola pra ele e chutava tanto com a esquerda, quanto com a direita, o que me dava algum respeito nos jogos do recreio. Eu ficava sempre de pivô, mesmo que nesta época não soubesse o que era isso. João era reconhecido por seu comportamento peculiar e teve algumas passagens pelo Conselho Tutelar. Disse que a nossa solução era arrumar confusão com o time da casa.
Hoje não sei o que me deu, mas sei que com trinta segundos de partida eu dei uma botinada antológica num jogador do time deles chamado Adriano, uma botinada das maldosas mesmo. Ele se levantou furioso e então se armou o sururu em quadra, com dois jogadores do nosso time tentando separar a briga, mas não muito. Sei que tomei um chute na bunda do Adriano que quase me desconjuntou e muito me chateou.
Viramos o primeiro tempo vencendo por 2 a 1, nosso time inteiro amarelado e travando o jogo com faltas. Perdemos a partida por 6 a 3, talvez uma das minhas maiores apresentações em quadra desde que inventei disso de amar um esporte e ser fiel a ele – não ao xadrez. Fui chamado para jogar na SOBA e troquei de escola, passando a usar regularmente o uniforme mais tenebroso feito por seres humanos.
Adriano se tornou um dos meus melhores amigos, um caráter especialmente bom e tranquilo. Viajamos juntos, saímos com algumas mulheres – de fato, ele sempre foi muito mais bem apessoado e interessante do que eu – e hoje fui na sua casa pegar 50 reais. Ele se tornou o assinante nº 98 do RelevO. Mal soube como agradecer o meu amigo.
Logo mais verei minha companheira e direi a ela que Adriano está solteiro novamente, o que é certeza de farta distribuição de amor nas redondezas. Darei um abraço nela, até porque hoje está frio e é dia da criação, tomaremos algumas cervejas e não dormiremos muito tarde.
Amanhã o nosso time do jornal estreia contra os vice-campeões do Torneio do SindJor do ano passado. Somos zebras. Conversaremos antes do jogo para ver o que podemos fazer. Não será como antigamente. Espero que eu e meus companheiros façamos uma partida digna e saíamos de quadra com a sensação única de completude em ter feito o que era possível.
Apareça, Adriano.
Correremos o que nossas pernas nos permitem. Hoje percebi que já tenho alguns fiapos brancos na barba.