Vozes de casa
Gosto muito de viajar, mas não mais do que cinco dias longe de casa. Por mais luminoso que seja o novo estar, não é meu habitat, o colchão do hotel nunca tem a mesma densidade, não posso levantar no meio da madrugada para me curar em destilados – esta melancolia que tenho por não saber amar –, não encontro as mulheres que disfarçam o meu tédio por ser seco como três desertos (desculpe-me, Nelson Rodrigues, hoje estou um ladrão sem remorso).
Telhado deste mar
Anda chovendo muito no telhado deste mar. Leio Florbela Espanca e contrafaço meu cansaço relembrando velhos altares. Agora a pouco li Lucy Kellaway, a delicada e ácida colunista do Financial Times. Drummond, Verne, Tavares, meu querido Rubem Braga… Desculpem-me: meu sonho é escrever com a concisão maldosa e angelical desta britânica. Aliás, Andy Murray quando vence é britânico. A gente sabe, a gente não diz, mas quando perde ele se torna escocês novamente.
Não consigo torcer por Andy Murray porque ele é escrito de um jeito estranho. Mas é muito, muito bom, exceto quando perde. Ele perde mal.
Armazéns de nosso livramento
Uma amiga querida lembra que quando era criança achava engraçado quando as pessoas diziam trans alguma coisa. Matava-se de rir quando ouvia o nome Transamérica, achando que era algo sexual.
A primeira vez que fui num armazém pra comprar pão – a panificadora da esquina estava fechada –, pensei que ia ser raptado ou, pior, que não conseguiria voltar pra casa. Hoje, gasto tudo o que tenho em a) contas de sobrevivência; b) viagem.
Gastar em bebidas e mulheres não é gasto. Na verdade, nem o item b. [Minha casa, você não pergunta quando iremos te arrumar? Não estranha a presença de mulheres sombrias a checar seus calos? Por que não responde quando tento chorar? Onde você guarda a fumaça de seus velhos olhos? Quero que você me diga como a gente faz para ser do tamanho exato de suas paredes que não cedem quando cai o temporal lá fora.]
Estamos sempre despregados do tempo, anacrônicos.
Boa noite.