Ricardo Pozzo| Foto:

Agora que a Lua sola.

CARREGANDO :)

Opera em meu coração, um pouco antes de me crer completamente apaixonado, uma captura musical em que tudo o que ouço remete à paixão, como a chuva de longa espera se entranha à terra seca, formando um novo corpo. É simples e arrasador. Começo a reparar nas sutilezas de algumas canções velhas, a repeti-las além do bom senso, sobe-me da raiz uma pulsão de amar, amar, amar e justificar tudo através de um refrão – cada intérprete traduz comigo o que não consigo decodificar e juntos somos um instrumento.

Opera em meu coração, um pouco antes de me crer completamente apaixonado, o aumento da dificuldade de escrever o que não tenha ouvido, interrogo-me de vergonha por comportamentos quase ancestrais – não digo infantil por mero capricho e respeito à densidade das crianças – e suplico-me no plágio de desejar com as palavras dos outros. É a minha mão, esplanada em minhas vísceras, a dizer sobre todas as coisas usurpando de compositores cativos. Amo o que entendo por amor embrenhando o amor de outros tempos, tenho até o ímpeto destruidor de me fazer nas canções mais tristes só para o amor sair um pouco de mim e voltar maior ao meu peito, quero ser trágico para encerrar-me grandioso, quero dizer apenas meu bem, fique comigo.

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Opera em meu coração, um pouco antes de me crer completamente apaixonado, uma satisfação ambígua de me desconsiderar morto por dentro, súbito: mais pertencente ao ciclo de vida humana, esta carruagem de cavalos de pólvora a percorrer estradas de dores, medos, expectativas, impaciências, isso de querer que a sua paixão volte logo e deixe aquele homem que obviamente não a merece – o outro, aos olhos do amoroso, é sempre indigno e menor. Imagino-a me abraçando sem passado, sendo feliz sem pensar nos erros que iremos cometer e sonhando-nos com os mesmos olhos futuros, para que aconteça, assim, como uma prece antes do alimento, um amor de fome que se abasteça sem início, meio e fim e seja puro como o suor daqueles que se assustam diante da aparição da mulher amada.

Minha querida, dá-me um nada e serei teu.