Ricardo Pozzo| Foto:

Ando escrevendo menos porque trabalhando mais e às voltas com o pós-operatório de retirada de um cisto, uma insignificância de dois centímetros entre meu olho direito e a respectiva orelha. É coisa simples, mas que demora a cicatrizar – e como não tenho flexionado nada de literário no processo de trocar esparadrapos e passar bactericidas regularmente, tenho poupado a humanidade de meus novos hábitos.

CARREGANDO :)

Minto. Há algo que me parece digno de dois ou três devaneios. Por uma praxe adquirida após as duas pneumonias dos 27 anos, que me deixaram bem histriônico e com tendências a me autovitimar diante de qualquer doença, achei por bem não noticiar muito essa cirurgia, até porque ela é simples mesmo, acredite.

Mas é-foi uma cirurgia na cabeça e a simples menção de que teria de retirar um cisto, dois meses antes da cirurgia acontecer de fato, deixou meu pai e uma amante, à época, com olhos de piedade, aquele semblante de quem sabe que a notícia não é boa e é melhor não demonstrar comoção diante dela. Não me enganaram e tive a convicção ainda mais declarada de que não deveria contar para mais ninguém.

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Então, eu fui lá retirar o cisto num hospital público aqui da cidade, uma cirurgia que durou vinte minutos + uma anestesia que me deixou um tanto atarantado por dois dias. Aos poucos, como tive de parar de beber, fui informando o causo a um e outro amigo, que trataram de ficar assustados e a achar que eu estava aos braços de uma doença grave, mesmo que a experiência mais visível da cirurgia nos três dias seguintes tenha sido umas dores de cabeça mais intensas e a troca constante de curativos (o que deve ter motivado olhares curiosos de meus novos colegas de trabalho).  Estranhamente, o laconismo de meu quadro teve efeito inverso ao desejado e tive que me explicar ao dobro. E foram apenas três pontos. Ou quatro.

Paro por aqui. Apenas narro isso porque estava com saudade de você e chegou um livro na redação que irei ler e, se gostar, vou te indicar ou emprestar depois. Nós também poderemos, uma hora dessas, beber algo para espantar o frio e conversar sobre leviandades, como uma tarde de sol tímido em Curitiba.

Sei, entretanto, que isso pode não acontecer, pois ando imerso no trabalho e tenho os maiores medos em relação a minha capacidade diária de fazer jornalismo – esses dias consegui escrever que um concerto teria atos. Um concerto não tem atos. Nunca teve.

E como você ainda não tem nome definido, minha querida, leio agora as histórias de mistério de Georges Simenon e especulo se, por acaso, nós não intencionamos o amor apenas para enganar o tempo ou a partir daquele momento derradeiro em que nos deparamos com ele estirado em nossa sala, nos assassinando com os olhos, impiedoso, nos levando, depois, a sonhar histórias de sangue, este tipo de sangue que jorra de nossos poros, nos faz amar e sofrer e carregar suturas que podem bem demorar mais do que quatro pontos para cicatrizar.

Há quem diga que nunca cicatriza, mas sobre isso também evitamos falar.

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