Sozinho no Dizzy Café Concerto, espero uma moça que há tempos quero aos meus braços. Ocorre-me, enquanto observo os músicos afinando os instrumentos, a existência de dois tipos de tristeza feminina: a primeira é crua, funda como o silêncio do universo. A outra é artisticamente expansiva, fazendo da força do cinza alguma forma de enfrentar liricamente as trevas.
O que sei sobre as mulheres: nada.
O que sei sobre quem espero: a tristeza leva essa moça a escrever de um modo arrasador acerca do que dói e do que às vezes nem existe. O que anda me incomodando: as últimas mulheres da minha vida escreviam pior do que eu. Aí não dá. Não é o caso dessa.
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Enquanto Derico começa a tocar, percebo uma mulher ao meu lado, sozinha e em pé. Somos parceiros na solidão. Podemos, mesmo sem nos conhecer, partilhar de um mesmo sistema de ansiedade: esperamos alguém que talvez não chegue. O celular fica inquieto.
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A primeira vez que a vi pessoalmente, eu carregava alguns jornais e um livro do André Dahmer para presenteá-la – hoje trouxe outro. Ela falou de uns poemas de álcool & destruição e logo pensei: gata, você ainda será minha. Disse-me que seus amores são muito confusos e estava buscando um lugar emocionalmente mais reconfortante. Ótimo. Vamos ver o que podemos fazer.
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Desde então, foram muitos os desencontros.
Foram mulheres que entraram nas nossas vidas como um juízo final, a morte de seu avô, dias de fisioterapia, celulares sem bateria, alcoolismo acima de nossa condição de bem amar and be loved in return. (É que escrevi para um amigo, dia desses, perguntando se somos apenas interesse & conveniência ou a sentença de Nature Boy, de apenas desejarmos amar e ser amados de volta.)
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Toca Georgia On My Mind.
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“A gente toca pra se sentir melhor”, diz Derico.
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Toca In a Sentimental Mood, de Duke Ellington. Meu deus, que música.
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Na mesa à minha frente, duas senhoras e uma morena que fica muito bem com esses óculos, provavelmente filha de uma delas. Ela está um pouco irritada com uma das senhoras e pede para que ela pare de tirar fotografias e ouça o show. Chega um homem de sapato social marrom, desferindo umas opiniões muito curiosas. Sobre homoafetividade: “Tá todo mundo saindo do armário, tá sobrando armário agora”. Celulares com acesso à internet: “Isso afasta as pessoas e deixa elas menos humanas”. Liberação sexual feminina: “As mulheres atuais só querem biscatear”. Ser & ter: “As pessoas estão muito materialistas”.
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Ela avisa que não virá. Escrevo uma mensagem provavelmente excessiva, mas na hora me parecia bem exatamente o que eu queria dizer: “O local é incrível, a música é ótima e o conhaque está descendo com uma firmeza sem igual. Mas sem você aqui é como se eu estivesse surdo e abstêmio”. Sou um sentimentalão. Mando a mensagem e uma senhora talvez alcoolizada esbarra em mim, me abraça em seguida e diz que só irá embora de olhos fechados. A amiga a retira de minha proximidade com um pouco de virulência.
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Tomo coragem e resolvo falar com a morena de óculos. Digo a ela que irei escrever um texto sobre hoje e gostaria de enviá-lo. Posso? Pode. Começamos a conversar. Descubro que é formada em Cinema e Comércio Exterior. Gosta de Sergei Eisenstein e Dziga Vertov. Fez um TCC sobre a influência da estética nazista no cinema alemão do período. De fato, é linda e bebe com bom rendimento.
Termino minha terceira dose do uísque mais barato. Preciso ir embora. Antes, dou o livro para uma loira do balcão que o segurou a noite inteira. Faço uma dedicatória bem carinhosa. É um bom livro.
Qual é o seu nome?, me pergunta a morena de óculos. Digo e foco em seus olhos algo estranhos, tentando intuir do que essa moça é feita, quais são seus amores e o conteúdo de suas noites. Não me parece uma moça livre de coração. Pago a conta e, antes de sair, a loira que ganhou o livro me abraça por trás ao passar por mim no corredor.
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Chego em casa. Sinto-me cansado e vazio. Boa noite!