Não foi dia. Foi noite. É que noite de noivado me pareceu feio para usar como título, algum tipo de música ruim aos olhos. Não que eu consiga evitar os ruídos, porém tenho tentado. Permita-me. É domingo. O sangue flui de um modo diferente e os devaneios são menos criminosos.
O amigo noivou ontem. Depois de uma vida toda de namoro. Estava nervoso e feliz. Escreveu até um discurso para ler aos convidados, não mais do que trinta: parentes, amigos mais próximos, umas moças bem bonitas-amigas da noiva… Logo falarei deste discurso, que me emocionou. Talvez das moças também.
Venha comigo antes. A festa foi numa casa grande e afastada do Centro. Ah, estou falando de Araucária, então dobre meu comentário sobre ele mesmo no que se refere ao isolamento geográfico. Chope liberado + uma geladeira inteira de cerveja de garrafa, um bom uísque, duas tequilas, um vinho colonial de boa procedência, tabule, agrião – era agrião? Se não era, tava muito bom –, tomate-cereja, que, não sei o que você pensa, é um bom nome para algo dúplice, e uma televisão com sistema de som adaptado para tocar clássicos dos anos 1980, além de uma e outra moda sertaneja. (Já disse da minha admiração por aquela canção do DJ mais louco que o padre do balão?)
Bem, comemos, bebemos em boa dosagem e desejei além da conta a moça de Campo Largo, que sorria de um jeito bem peculiar, como se estivesse sempre disposta à fortuna afetiva. Então, chegou a hora da oficialização do noivado. O amigo sobe numa escadaria e retira uma folha de sulfite, dividida em quatro, bem surrada. Treme. Agradece aos pais, aos sogros (muito bem!), embora tenha errado levemente o nome da sogra, relembra o dia em que conheceu sua noiva e afirma fazer o que está a fazer porque a ama muito.
Eu sei que você já deve ter visto, lido, ouvido muitas palavras de amor e que não há muito como fugir de certas ligações de palavras. Entretanto, vou te dizer: eu quase chorei. Quase chorei porque, enfim, o amigo está feliz, todos estão a olhar, contemplativos, é um passo gigante nestas trajetórias individuais tão nossas e desconhecidas e porque, enfim, o amor é bonito.
Cinco horas depois, o irmão do noivo estava deitado no sofá em um estágio etílico mais de morte do que de vida. Éramos em umas oito pessoas. Não conseguíamos mais beber porque chega uma hora que o corpo se intravasa. As moças de Campo Largo foram embora, o que muito entristeceu o fotógrafo e eu. Saí para buscar cigarro para alguém em piores condições, mas logo voltei – nem me recordo quando foi a última vez que fumei, talvez nunca porque detesto o gosto e não sei tragar. Também estou satisfeito porque é uma festa sem maconha e ando a implicar com a maconha num âmbito estritamente particular, pois não tenho nada a dizer sobre as grandes questões. Quem sou para investigar uma verdade acerca? Acontece de todos os que andam a fumar perto de mim ou ficam burros ou simplesmente dormem.
[Pode ser um certo tipo de influência minha também. Não custa humildemente pensar por um ângulo menos lisonjeiro, embora, no segundo caso, dormir não seja exatamente um argumento contrário à maconha. Só não me chame. – Por isso sempre preferi drogas que não convidam ao isolamento.]
Mas nada disso agora importa. O amigo está noivando e pode não existir razão quando se diz que não há mais amor – li hoje de tarde um cronista inglês afirmar que no mundo contemporâneo-afetivo está em vantagem na relação aquele que menos se importa. Achei triste, embora exista um sentido profundo nisso e, novamente, quem sou para dizer que não estive trilhando, vez e outra, o lado poderoso de não se importar? A vida segue, meu amigo, em seu variável comboio de cordas. Seguimos acreditando em algo, escrevendo em papeis surrados o que muitas vezes não cabe na dimensão emaranhada de nossos corações.