Ouvi isso hoje, enquanto corria na rua, um senhor reservado em silêncio e a senhora tensa confabulando sobre algo que se esvaiu de mim nos próximos metros: “É a fraqueza do homem”.
Corro duas vezes por semana, uns trinta minutos. É a minha religião esportiva. Quando estou em época de campeonatos de futebol corro imaginando gols e jogadas. Quando apenas me exercito para evitar proeminências corporais reflito o aumento de meu fôlego etílico – e creio.
Entretanto, diferente do futebol, não é possível correr meia hora a imaginar copos e mais copos de cerveja. Então, qualquer sinal de meus arredores de asfalto distrai e me continua.
Nesta tarde, fiquei pensando no que disse a senhorinha (“Sinhazinha… Com seu brinco e colar de água-marinha…”). Estaria ela a especular o caráter sombrio e solitário dos homens? Espero que não. Lembro-me de uma companheira de sala, belíssima – e CASADA – a dizer-me que o mal do homem é a mulher, gostar de mulher. E por ser tão bonita, até perdoo essa generalização.
Inevitável não recordar também uma moça triste que saí por uns tempos e uma crônica sua chamada Homens – apesar de destituída de contornos literários na vida, escrevia umas coisas interessantes, a doidinha. Quase publiquei no RelevO, até ia pedir republicação, se não me engano, mas sou um editor impulsivo. Nós terminamos (ou ela terminou, agora já não sei mais) e derrubei o texto não-autorizado com gosto. Um trecho era mais ou menos assim:
O homem seria perfeito sem a mulher. Ai de mim.
Provavelmente não era nada disso. Mas foi o que ficou, que é, convenhamos, mesmo que uma invenção de minha memória, absolutamente pobre – o amor sempre turvou minhas leituras. Não tenho apreço por essas determinações de gênero.
Dia desses, Contardo Calligaris escreveu sobre a aflição presumível da intensidade sexual na velhice. Afirmou que um dos méritos da velhice convencional seria a diminuição dos ímpetos carnais e uma certa paz espiritual herdada de um corpo menos pujante, porém, mais sábio. Cita, inclusive, dados sobre o avanço dos índices de AIDS nesta faixa etária.
Ontem conversei com uma amiga sobre isso e ficamos a pensar se conseguiremos fugir deste (ou desta?) espiral. Ocorre-me Santo Agostinho: Deus, salve-me do pecado, mas não hoje.
Nosso futuro vai ser de muita paz. Vamos pensar assim.
Na rua, um casal de namoradinhos se beija na saída da escola.
O mercado está cheio hoje à tarde porque é o dia da carne.
Sempre paro a corrida quando vejo carro da autoescola na faixa e preciso atravessar. Nunca sei se ficam ou se vão.
Caminho uns trezentos metros antes de chegar em casa.
Duas mulheres observam um imóvel com placa de vende-se.
Chego.
Penso, por fim, se a senhorinha não se referiu a homem enquanto ideia precária de humanidade, como na cartilha de Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Olympe de Gouges cogitou, em 1793, se não me engano, uma cartilha dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Foi morta.
Ai de mim.
*Iara Amaral é ilustradora, designer e projetista gráfica. Ela tem um trabalho incrível, incrível. Sou suspeito pra falar, mas, ao mesmo tempo, convicto.
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