Em certo momento das considerações finais da minha banca de TCC fitei a plateia e me senti melancolicamente bem por estar ali e isto ser o fim de tudo.
Nesta semana não dormi em conformidade comigo e hoje passei o dia inteiro lembrando-me da época em que entregava jornal na madrugada e em semáforos e desta segunda fase no jornalismo de redação, os colegas de fardo que conheci, os amigos confidentes que fiz, os publishers rudes de ideias e tudo aquilo que me compõe atualmente como braços, pernas e pulmões. Ensaiando à hora do almoço chorei dois córregos e três margens de mim.
Tive vontade dobrada de chorar em cima do tablado ao apresentar minha monografia sobre Rubem Braga. Meus pais me observando talvez sem saber direito o que estava acontecendo, as moças de vinte anos, de 1º e 2º ano de faculdade, quem sabe pensando no caminho que irão trilhar, a orientadora quase caindo comigo – então lembrei sua mãe e quase desabei –, as palavras que teimavam em não sair, fixei-me em uma mocinha de olhos vivos, que achava que eu não gostava dela, chorando discretamente, a minha maior paixão dos últimos anos emocionada também, eu dizendo sobre minhas insatisfações como pesquisador, homem e coração.
De tarde, uma hora antes da banca, fomos eu e dois amigos tomar um café na biblioteca, a biblioteca gigante da universidade, que parece nos aterrar em ignorância diante de sua magnitude, recordei-me então de um dia qualquer de 2009, uma terça-feira em princípio de tarde – havia trabalhado de manhã distribuindo jornal – e meu amigo dizendo que devia estudar aqui e que estava me desperdiçando ao trabalhar para um dono de jornal estúpido que mal sabe redigir o próprio nome e aceitar distribuir informação para um impresso assinado por um editor sem nenhuma formação técnica e com dificuldade exacerbada de usar o por/que nas ocasiões certas…
Aqui, após estes quatro anos e vinte minutos, balanceio minha trajetória recente e vejo a moça mais linda de meus olhos de agora, ela que lembra estas rainhas africanas, ornada em olimpo e beleza, e ela chora também, parece orgulhosa de mim, e penso se estou novamente e derradeiro apaixonado, digo que este meu trabalho de conclusão de curso é o retrato de minha paixão absoluta por Rubem Braga e o resultado de minhas dificuldades históricas de trazer o amor que sinto pelas coisas e por minhas mulheres de uma forma objetiva e translúcida.
Não sei por-/-qu(e)ê começo a dizer sobre o nosso ofício maior de contar histórias, tentar ligar da melhor forma possível uma palavra na outra – e como isso é difícil! – e da única garantia que posso dar a este trabalho: a de que ele é honesto e de que estou de corpo inteiro em cada linha destas 91 páginas. Os pareceristas fazem seus apontamentos, gostaram do trabalho, retiro duas dúvidas, um deles diz que a impressão que se deixa é de que realizei uma grande crônica – e eu quase não tenho território por dentro para tanta satisfação – e o trabalho recebe nota máxima alguns minutos depois.
Cumprimento os amigos na saída de um modo meio desajeitado e tenho vontade de beijar a rainha africana na frente de todos, mas não posso/não devo e, tal qual um pássaro que se enlaça à nuvem, encontro este segundo em que a vida se cobre de sentido, quando temos vontade de derramar glórias e a certeza de que seremos felizes e não nos faltará amor e de que sempre teremos ao lado um amigo para nos acudir quando o chão subir e nos chacoalhar, uma amiga bem bonita para a gente dar abraços maliciosos e ela reclamar disso e te abraçar mais forte em seguida, uma sensação de encantamento de ser e estar dentro do ciclo da vida humana, com todas suas faltas e excessos, vazios e preenchimentos – obrigado, meus amigos, obrigado, mulheres de minha vida, obrigado, meus pais e irmãs, obrigado, professores e mestres, obrigado, Velho Braga.