Na casa de Austregésilo Carrano

Na casa de Austregésilo Carrano

Quase meia-noite e é preciso descarregar os fardos de jornal, que é esta maneira peculiar a que nos referimos ao volume distribuído e amarrado de uma edição impressa. É preciso levar até o terceiro andar, dez fardos de 200 jornais, cada exemplar com 40 páginas. Entro no apartamento. Ver uma casa nova, pela primeira vez, a distribuição dos livros, dos eletrodomésticos, dos móveis, do sofá, dos gatos, é sempre uma descoberta cartográfica.

Não sei se elogio a casa ou não, mas o dono me chama a atenção e diz, em apenas um respiro.

– Austregésilo Carrano morou aqui.

Austregésilo Carrano.

O Canto dos Malditos. Bicho de Sete Cabeças. Bicho de sete cabeças, bicho de sete cabeças, bicho de sete cabeças…

Ele morou aqui. Austregésilo Carrano andou neste chão. Olho as paredes, o piso, as portas, à procura de alguma marca deste escritor curitibano que me parece menos saliente do que deveria ser.

Estamos sempre nos debatendo diante das ossadas do passado.

A loucura nos permeia.

Você acredita em amor?

Por estes tempos, fizemos uma capacitação em que a palestrante afirmava que determinadas frases criadas por crianças colombianas vinham de um lugar. Mas era de outro. Não tive a pachorra de corrigi-la publicamente, mas reportei o erro à minha chefe.

Ontem a minha chefe, que não sei bem se é minha chefe, mas sei que é educadora, aplicou uma atividade com as crianças da Vila Verde: criar poesias que tivessem amor e família como tema. Li folha por folha do que foi escrito. Me comovi. Faremos uma mostra deste material ali na Casa da Comunidade. Pincelei algumas coisas aleatórias, mas tenha certeza que o material todo é incrível.

O amor é quando levam a gente pra tomar sorvete

*

Amor é quando a outra pessoa ama a gente, mas não fala

*

Amor é acordar na madrugada

Para atender teu choro

*

Eu tenho comigo que amor é uma coisa de duas pessoas

*

Amor? Você acredita em amor?

Amor é um sentimento inventado pelas pessoas

*

Nós somos uma pessoa quando nos ajudamos

*

Eu amo minha família mais do que a atmosfera

Ela me comenta que as crianças riram do menino que escreveu sobre a família ser mais importante do que a atmosfera. A defesa:

– Primeiro, o amor é meu. E vocês não sabem o que é atmosfera.