Zé Luiz Mazziotti canta uma dessas canções do Lupicínio Rodrigues de cortar os pulsos. E como tenho apenas tristezas estaduais – não federais, dessas arrasadoras e resolutas –, lembro calmamente um antigo amor, que acredito gostaria de estar aqui, ouvindo isso, ah, você gostaria de ouvir isso.
Enquanto me desorganizo no passado, uma mocinha magrinha, magrinha, de óculos enormes e cabelos curtinhos, em pé no corredor, canta junto todas as dores de cotovelo do repertório. E como meu mundo é hoje e não existe amanhã pra mim, passo a observá-la, ainda mais agora que toca um Chico Buarque de rasgar o coração. “Vocês, aqui de Curitiba, gostam de uma canção triste, não?”, pergunta-responde o Zé.
Passo a olhá-la firme, decorando em seus lábios as canções que somente sei do refrão. “Desilusão, desilusão… Danço eu, dança você na dança da solidão…”. Observo e penso que essa moça poderia cantar aqui comigo, tem uma cadeira vazia na minha mesa, tem uma cadeira vazia na minha mesa, e reconheço que a minha vida bem poderia ser um samba triste. Então acontece algo que me transtorna. Ela retribui meu olhar. Não só retribui como sinto que está medindo-me: este sujeito estranho não tem cara de conhecer Paulinho da Viola…
Canto como se não estivesse percebendo que estou sendo observado – e aí: quem é mais cronista? Quem inaugura ou quem domina o que vê? Acontece que não consigo mais olhá-la com a mesma desenvoltura. Ela percebe isso e lança um sorriso quase irônico. Desculpo-me a mim mesmo dizendo que estou no terceiro copo de chope e mal conseguirei estabelecer uma conversa. E olha, uma música mais triste e linda atrás da outra, meu coração não irá aguentar um baque muito forte hoje, não…
Zé encerra sua breve estadia onírica – que bar é esse, gente… – com “Vou Deitar e Rolar”, do Baden (chamo assim, como se conhecesse pessoalmente, porque, em pensamento, quero impressionar a moça) e do Paulo César Pinheiro, e, entre agradecimentos, “semana que vem estarei aqui de novo, recomendem aos amigos se gostaram, se não gostaram, aos inimigos”, a moça magrinha, magrinha, de óculos enormes, volta para o fundo do bar, onde está acompanhada de mais seis pessoas.
É a minha hora de ir embora, trabalho muito, muito cedo, despeço-me de meu amigo e digo: “Vou colocar essa linda numa crônica, você vai ver”. Tchau, Zé!