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O significado do azul

O percurso da desmemória.

O amigo comenta sobre a obra de um compositor que ouviu na Capela Santa Maria e logo me dá uma vontade de ouvir “A Sagração da Primavera”, do… do… do… Outro dia, conversando com um amor-tormenta, não consegui, de jeito nenhum, recordar o título do filme do Tony Scott com roteiro do Quentin Tarantino: “Amor à Queima-Roupa”, ela me diz. O mesmo desterro com o nome da atriz que interpreta Piaf naquele filme estupendo que, ainda bem, chama-se Piaf mesmo. Também aconteceu de esquecer o nome do terceiro compositor de “Saudades da Guanabara”, canção que conheci ontem no documentário sobre Aldir Blanc e logo esqueci.

Alguma coisa se passa com a minha memória.

A cada dia morre em mim uma parte de meus amores leais e, por consequência, de meu passado sanguíneo. Nesse processo de perdas afetivas, duas coisas me ocorrem. A primeira é a própria deslembrança das ternuras artísticas. A segunda questão é para onde estão indo meus amores, todos eles. Dia desses esqueci até o nome da minha ex-namorada, a melhor de todas as duas. Mas logo lembrei.

Na sexta-feira, fui entrevistado para um documentário sobre o RelevO, esse impresso que dirijo e edito com os dentes. Ainda recordo de tudo, as datas, as cores, as camadas, os números. Até quando? Devo ter falado sem parar por uns 15 minutos, sem cortes racionais, minha vida escoando entre frases inconclusivas. Em certo momento, embarcando-me aos olhos profundos-marítimos da diretora, disse que esse jornal ultrapassa-me, supera-me, faz-me sentir alguém muito melhor do que propriamente sou, como se, assim, pedisse desculpas por todas minhas ofensividades, inseguranças e impaciências. Novamente, até quando?

Nessa tarde domingueira de sol e frio aqui no Parque Barigui, reflito sobre a disciplina dos afetos, se a cada setenta novas informações não apagam-se sete velhos amores; se, a bem da verdade, não aconteceu-me de ter superestimado minhas potencialidades aos vinte anos e agora perceber que o meu melhor talento é desamar. E esquecer.

Enquanto penso se não sou apenas um acumulador, roubo mais alguns acontecimentos mínimos do parque: duas mocinhas jogam vôlei, um casal acaricia os cabelos um do outro, um rapaz se pendura na árvore e acaba de cair de uma altura segura, um senhor lê o caderno de esportes do jornal do dia, adolescentes se fotografam e correm e se abraçam – na volta para casa, Shirley Horn, em “The Meaning of Blue” diz: “O azul era apenas a cor do mar até o dia em que meu amor me deixou”. Meu maior talento é desamar.

 

 

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