Um senhor e uma senhora jogam dominó na mesa ao lado e não sei de onde me surge um incômodo, talvez até seja tristeza – acabei de perder o ônibus, coração acelerado de baque amoroso. Eles sorriem lentamente um ao outro quando alguma jogada se faz surpreendente e isso muito me interessa, assim como o conhaque de mel, meu vício da temporada – estou gripado.
Entre a leitura do caderno de cultura do jornal e um mendigo que nos pede um real pra pinga, lembro-me aos oito anos, escrevendo uma série de ficção científica chamada Atlan, A Força Que Mata. Fiz dez cópias, um real cada. Meu pai comprou toda a edição, distribuiu na empresa e me pagou adiantado – acho que o pessoal nem comprou. Essa é a experiência que me marca para sempre como usuário da língua portuguesa.
Estou fazendo alguns obituários por esses tempos. Hoje descobri que o Senhor Douglas, 69 anos, dava flores toda semana para sua esposa. E ela se emociona ao me contar como ele gostava de fazer arranjos para casamentos. Cada imersão nas histórias de quem acabou de morrer me deixa comovido.
Entra agora um cliente no bar, se dirige ao proprietário e diz: “Ela levou tudo, tudo embora”. Ao fundo, uma versão portuguesa de Dust in The Wind aparentemente executada por Zezé di Camargo & Luciano. O senhor do dominó reclama: “Para com isso, essa música é em inglês… Para com isso…” Estou também viciado num vídeo do vine em que uma mocinha faz uma coreografia tosca com uma galinha caipira no ombro. Procura lá. Ela se chama Shan Dude e me deu uma fortuna de viver hoje.
Chego em casa antes da meia-noite, sem jantar, deixo a bolsa e vou até a casa ao lado. Consigo, enfim, parabenizar meu pai, que completa 58 anos hoje, a quem devo toda a insistência em escrever e me indicou as primeiras leituras. Ando escrevendo e pensando muito sobre a morte, pai. E escrevendo sobre ela. Nós seremos envolvidos por ela, pai, nós seremos também. Mas não hoje, hoje é o dia em que você é eterno.
Parabéns.