Somos estudantes de Jornalismo e estamos indo ao Rio de Janeiro. Dormir num ônibus em viagens longas é equivalente a praticar o Kama Sutra às avessas. Criamos posições para enganar o corpo, mas não conseguimos passar mais do que dez minutos sem sentir algum desconforto.
É sábado, Rio, 16 horas de viagem, tempo bom, estamos atrasados. Parece que o motor não estava correspondendo nas subidas; foram, assim, mais quatro horas do que o bom senso. A PUC-Rio recebe o Global Investigative Journalism Conference 2013. Segundo o site oficial, estamos a tratar de local com acesso a todas as facilidades e infraestrutura da universidade, incluindo auditórios, salas de leitura e laboratórios de informática.
De fato, a estrutura é excelente. O local é muito arborizado, o que auxilia no controle da temperatura, amplia a incidência de insetos nas pernas um tanto claras das curitibanas e possibilita providenciais sonecas nas mesinhas.
Te pergunto: o que os célebres Andrew Jennings, José Hamilton Ribeiro e Tom Giles têm em comum, além de serem jornalistas respeitadíssimos e esteticamente cubistas? Os três são obrigados a enfrentar fila para comprar sanduíches suspeitos e podem apreciar com exatidão o alto padrão equino de atendimento comercial. Tenho o ímpeto de perguntar quais substâncias ilícitas estão sendo utilizadas no espresso que acabo de tomar, mas receio, ao fazer isso, irritar ainda mais as pessoas que esperam.
Daqui a pouco, Andrew Jennings irá discursar sobre jornalismo esportivo investigativo, ao lado de Rob Rose, jornalista sul-africano do Sunday Times, e Lucio de Castro, repórter e colunista da ESPN Brasil.
Lucio está a contar a história de Zé do Carmo, folclórico e viril zagueiro do Vasco da Gama, recifense que nos anos 80 ficou famoso pela história da falta em que ficou de frente para o goleiro, na barreira, enquanto Zico partia para a cobrança:
– Zé, olha pro batedor!
– Não… Você acha que eu quero perder esse gol?
Lucio de Castro está destacando as habilidades financeiras de Ricardo Teixeira, considerado por ele, neste campo específico, um rude de ideias. Ele cita Siga o dinheiro, mantra de Todos os Homens do Presidente, e acrescenta: siga sempre uma ex-mulher magoada. Aliás, preciso te dizer, mesmo derrubando ainda mais a linearidade: a cinegrafista oficial da palestra é linda.
Andrew Jennings tem um certo espírito desbravador. Quando um dos palestrantes comenta que ele já foi ameaçado de ser expulso do Brasil por Teixeira mostra candidamente o dedo do meio ao público. Em sua fala, diz que o jornalista executa um serviço moral, é preciso rir da cara dos bandidos, entender a cadeia tomadora de decisões, geradora da corrupção em larga escala, e, principalmente, a necessidade de dizer que você está na briga, mostrar provas, evidências, porque, mesmo nas instituições mais corrompidas, há gente honesta, valorosa, precisamos emitir sinais a estas pessoas, sinais de que elas podem ver no jornalismo uma bandeira capaz de promover um mundo mais equânime e justo.
Eu ia te dizer que depois de Jennings vi Daniela Arbex narrar a assombrosa história do manicômio Colônia, de Barbacena (MG), que originou o livro Holocausto Brasileiro. Mas agora estou a ler as primeiras 35 páginas e choro por todos os ossos.
E você não vai querer-me assim, chorando em sua frente.