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Amor sem Escalas discute a solidão, o medo da intimidade e a desumanização nas relações profissionais

Divulgação
Anna Kendrick e George Clooney: voo solitário.

Ray Bingham, personagem de George Clooney em Amor sem Escalas, estreia deste fim de semana nos cinemas, tem um pouco de todos nós. Funcionário de uma firma especializada em recursos humanos, ele viaja o mundo, sobretudo pelos Estados Unidos, com a incumbência de concretizar o que empresários temem fazer: demitir funcionários. Cabe a ele manipular o discurso empregado nessa hora desagradável ao ponto de convencer o demitido a se sentir confortado e esperançoso. Muitas vezes não consegue. Bingham sabe disso e mente para si mesmo que está imune ao sofrimento alheio.

O que aproxima Clooney de todo e qualquer ser humano, em algum aspecto, é sua capacidade de autoengano e o medo. Ele prefere quartos de hotéis a uma casa de verdade. Relacionamentos ocasionais, movidos a desejo e sexo, a intimidade, afeto e amor. Com a família, opta por se relacionar à distância, por telefone. Sem amarras. Tanto que, ao ser convidado pela irmã mais nova para seu casamento, tem receio de não ter o que dizer, não saber como se comportar.

Mais importante para ele é acumular 10 milhões de milhas em seu cartão de fidelidade, um recorde que lhe dará privilégios, prêmios e, simbolicamente, legitimará sua condição de desapego crônico de tudo e todos. É mais fácil, aparentemente, viver assim. Só. Quem nunca teve essa dúvida?

A vida de Bingham começa a mudar quando entra em cena Natalie (Anna Kendrick, da Saga Crepúsculo), uma jovem brilhante e ambiciosa que apresenta ao patrão uma forma de continuar demitindo gente mundo afora gastando bem menos. O processo pode ser feito on-line, com uma webcam. Bingham se revolta. Acha o método desumano, mas, no fundo, a possibilidade de parar de viajar é que o apavora. Com os pés em terra firme, terá de pensar em si mesmo, na vida que não tem.

Nesse mesmo momento, também atravessa seu caminho a sedutora Alex (Vera Farmiga, de Os Infiltrados), que diz ser uma versão feminina dele. Deseja viver uma história entre aeroportos, sem vínculos ou obrigações. Outro engodo entre muitos.

O grande trunfo do ótimo filme de Jason Reitman (de Obrigado por Fumar e Juno), cotado para múltiplas indicações ao Oscar, é sua contemporaneidade de forma e conteúdo. Tem uma edição ágil, pontuada pela transitoriedade geográfica – cada situação vivida pelo protagonista, cada sequência do longa, vem acompanhada de um voo, de uma cidade.

Os diálogos são muito bem escritos, mas não se sobrepõem à trama, ao dilema existencial de Bingham. Isso é raro: parece que bons roteiristas, capazes de produzir falas memoráveis acabam sendo vítimas do próprio talento. Parece que o enredo está a serviço da perspicácia, do humor, da inteligência do roteirista. Os filmes escritos por Woody Allen, Charlie Kaufman, pelos irmãos Coen e por Quentin Tarantino, embora muitas vezes brilhantes, estão sempre a lidar com esse risco.

Da pertinência de sua trama que Amor sem Escalas tira grande força. Fala do fantasma do desemprego em um momento de grande recessão nos Estados Unidos e de individualismo e desapego em tempos de internet e relações virtuais. E resiste à tentação de arriscar um desenlace edificante, redentor. Bingham (Clooney, em um grande desempenho) se percebe errado, à deriva e medroso. Tenta mudanças, corre riscos, mas seu destino é incerto. Como o nosso.

Amor sem Escalas pode não ser um grande filme, como Guerra ao Terror, ou um filme grande, como Avatar. Mas é um dos melhores deste ano.

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