Há filmes capazes de perturbar já na primeira sequência. É o caso de 3 Macacos, longa-metragem que deu ao cineasta turco Nuri Bilge Ceylan o prêmio de melhor direção do Festival de Cannes 2008. Vê-se um homem no interior de um carro. Ele dirige noite adentro, em silêncio. Até que algo interrompe sua jornada. Ele acaba de atropelar alguém. Quem é a vítima? Morreu? Nenhuma dessas perguntas tem resposta. Como várias ao longo da história.
A grande sacada de Ceylan é ir na contramão da produção comercial contemporânea, que explica cada detalhe dos enredos com medo de confundir ou alienar o espectador. 3 Macacos, de caso pensado, omite muitos dos acontecimentos mais significativos da trama. Apenas os sugere e prefere centrar seu foco nas consequências. Devastadoras.
O atropelador da sequência de abertura do longa é Servet (Ercan Kesal), um político em crise de popularidade que, para não responder pelo seu delito, paga ao seu motorista, Eyüp (Yavuz Bingol) para que ele assuma a culpa e vá preso em seu lugar. A confissão, tampouco a detenção, nunca são mostradas. Mas a mulher do empregado, Hacer (Hatice Aslan), e seu filho, Ismael (Rifat Sungar), sem saber do acordo, chegam a ter orgulho da coragem de Eyüp.
Os efeitos da corrupção perpetrada por Servet, contudo, não param por aí. Dono do mundo, ele prossegue, como um flagelo, em sua missão de destruir em nome de seu poder. Enquanto Eyüp cumpre pena, o político seduz Hacer, que comete um pecado imperdoável no mundo islâmico. De novo, Ceylan engana o espectador. Embora dê pistas, quando nos damos conta, o ato está consumado — e o leite, derramado.
Poucos diálogos, silêncios mortos, durante os quais nada parece acontecer, fazem de 3 Macacos uma obra ao mesmo tempo tensa e contemplativa. Como as “grandes viradas” não são mostradas, tem-se a falsa sensação de que quase nada acontece. Uma impressão enganosa. É tamanha a tensão vivenciada pelos personagens, defendidos por atores estupendos, que se torna difícil relaxar até os créditos finais.
Vale dizer que, do ponto de vista estético, 3 Macacos é primoroso. Tem um dos mais instigantes trabalhos de fotografia realizados com equipamento digital nos últimos anos. Num mundo onde todos parecem temer ouvir, ver ou falar a verdade, a realidade em torno dos personagens — casa, corredores, ruas, céu, mar — acaba tendo muito a dizer.
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