O público adulto desaprendeu a ver cenas de sexo no cinema. Ou, melhor dizendo, se desacostumou a assistir a histórias nas quais o assunto tem papel central, e não meramente acessório, com o intuito de fazer rir, ou de apimentar o teor romântico das tramas. Tanto que filmes como O Último Tango em Paris (1972), de Bernardo Bertolucci, ou O Império dos Sentidos (1976), de Nagisa Oshima, parecem, mesmo para grande parte do público que os conhece de nome, referências longínquas. No tempo e no espaço.
Talvez por isso que Shame, longa-metragem do diretor britânico Steve McQueen em cartaz no Brasil desde a última sexta-feira, cause tanto estranhamento – e, até certo ponto, desconforto. Assim como ocorreu com Shortbus (2006), de John Cameron Mitchell, nunca lançado comercialmente em Curitiba, o assunto sexo é central em seu enredo, e não um ornamento, um chamariz.
Brandon (Michael Fassbender, em desempenho brilhante) é um irlandês de seus 30 e tantos anos, cuja família imigrou para os Estados Unidos quando ele era garoto. Hoje está radicado em Nova York, onde vive e trabalha. Solteiro, evita relacionamentos duradouros, e sofre de um distúrbio que pode ser descrito como “vício em sexo”.
Quando não está na internet, navegando em sites pornográficos, ou se masturbando no banheiro de casa ou do trabalho, ele procura construir seu cotidiano em torno da possibilidade de conseguir oportunidades para encontros sexuais. Seja com quem ou onde for. No escritório, no metrô ou nos bares e restaurantes que frequenta. Essa rotina, por mais doentia que seja, lhe parece natural (e inescapável), já que está incorporada a seu dia a dia. Até que sua irmã mais nova, Sissy (Carey Mulligan), reaparece em sua vida. Cantora, a jovem chega de Los Angeles, após romper um relacionamento infeliz, e desembarca em seu apartamento, trazendo na bagagem uma carga imensa de carências e de baixa autoestima, traços possivelmente interligados aos problemas psicoemocionais de Brandon.
A proximidade de Sissy, com quem parece ter uma relação limítrofe – o filme sugere nuances incestuosas – faz com que o trem de Brandon descarrile. Não apenas ele se frustra, se revolta e se deprime com a posutra errática de Sissy, que tem um rápido caso com o chefe de Brandon, mas faz com que seu transtorno aos poucos venha à tona.
Embora a trama de Shame pudesse acontecer em qualquer grande cidade do mundo, é impossível dissociá-la de Nova York, um lugar propício a encontros e desencontros, onde o individualismo pode encontrar terreno fértil, devido ao ritmo frenético em que muitos, não todos, vivem. Também é um cenário e tanto com suas muitas esquinas e subterrâneos.
McQueen parece mais preocupado em desenvolver com profundidade seu estudo sobre o ao mesmo tempo fascinante e assustador Brandon do que na “história”. A trama, em si, é menos importante do que a forma como o diretor nos traz para dentro da existência labiríntica do protagonista.
Espécie de anti Sex and the City, Shame não faz, como a série e os filmes estrelados por Sarah Jessica Parker, uma ode ao consumismo (de sexo, inclusive) e, portanto, à descartabilidade. Trata desse estilo de vida enquanto patologia, distúrbio, e, dessa forma, acaba ganhando, para alguns, dimensão política, de crítica à contemporaneidade. Uma leitura das muitas possíveis.
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