Em um momento no qual o público brasileiro parecia estar cada vez mais indiferente ao cinema nacional, eis que surge o fenômeno Tropa de Elite. O filme, que vem despertando discussões apaixonadas, já levou 700 mil espectadores às salas de exibição, pode ter vendido um milhão de cópias piratas e está nas capas dos principais jornais e revistas do país, sem falar de ter conquistado espaços generosos na imprensa internacional. Já fez história, portanto.

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Assisti ao longa-metragem de José Padilha em uma sessão lotada no Unibanco Arteplex e confesso que saí do cinema perturbado e um tanto confuso. Do ponto de vista técnico, o filmeé impecável. Também é notável no que diz respeito à narrativa, à construção do roteiro, inteligente, bem amarrado, sem gorduras. Mas, quando chegamos ao seu conteúdo, a discussão se torna mais complexa.

Acho que Tropa de Elite acerta ao atacar as classes mais abastadas, que consomem drogas, recreativamente ou não, sem perceber (ou querer saber) que está alimentando, sim, o crime organizado. Na perversa cadeia alimentar do tráfico, quem compra também é culpado, assim como quem financia esse comércio. E, geralmente, estes não vivem nas favelas, não.

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Também gosto da forma com que Tropa de Elite ataca o “oba-oba” no qual se transformou o terceiro setor no Brasil. Sei que há ONGs sérias e bem-intencionadas, mas lamento dizer que não se trata da maioria. Existe no país uma indústria da boa intenção, da benemerência de fachada, “do social a qualquer custo”. Sérgio Bianchi já havia denunciado isso no perturbador Quanto Vale ou É por Quilo?.

Considero muito bem sacada a cena em que o personagem Matias invade uma “passeata pela paz”, e acusa os participantes de só se mobilizarem quando um dos seus é atingido.

Faço ressalvas, contudo, à opção por transformar o capitão Nascimento, personagem do ótimo Wagner Moura, o narrador e, de alguma forma, “herói” da trama. Por mais que o filme tente dar-lhe complexidade, o oficial do Bope, por ser quem nos guia pela história que está sendo contada, acaba por ganhar dimensões de justiceiro. Ele bate, tortura e mata em nome de uma concepção de Justiça com a qual muitos brasileiros, frustrados com desordem generalizada do país, podem se identificar. E aí reside o perigo.

Quando a bandeira do Bope cobre a do Brasil sobre o caixão do soldado Neto, senti um arrepio na espinha. É uma imagem fortíssima. Que merece reflexão.

O roteiro até tenta, na seqüência final, mostrar que nem todos no Bope concordam com os métodos de Nacimento, mas acho que, a essa altura, isso se torna um mero detalhe dentro da trama. O espectador mais incauto e influenciável já escolheu de que lado está.

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