China se junta a países como Noruega, França, Suécia e Inglaterra em plano para acabar com os veículos gasolina e diesel. Mas o fim dos carros movidos a petróleo em pouco mais de duas décadas seria realmente possível?
No século 19, mais especificamente na década de 1890, havia uma corrida na Europa para em busca de um processo mecânico para substituir os cavalos como meio de movimentar veículos. Após anos de tentativas e experiências, o motor a combustão interna venceu a disputa com inventos que utilizavam eletricidade, vapor, ar comprimido e força hidráulica.
No século seguinte, o motor a combustão reinou absoluto nos veículos automotores, especialmente nos automóveis, caminhões e ônibus. Seu concorrente, o motor elétrico, apesar da grande expansão e seu domínio em aparelhos que vão dos eletrodomésticos às bombas d´água e até nos vidros elétricos dos carros, não conseguiu ser amplamente utilizado em veículos – com exceção dos trens e metrôs.
A entrada do novo milênio, no entanto, trouxe uma frente de resistência à hegemonia do motor a combustão. O crescente número de carros nas ruas, o aumento dos preços dos combustíveis e o aquecimento global provocado pela emissão de gases resultantes combustão de petróleo tornaram urgente – como ocorreu no século 19 na busca por uma alternativa aos cavalos – substituir os veículos movidos a combustível fóssil. E a alternativa mais viável no momento é um invento anterior ao do motor à combustão: o velho e limpo motor elétrico.
Um anúncio do governo chinês neste mês de que pretende banir os veículos a gasolina e diesel até 2040 causou grande impacto, considerando que a China é o hoje o maior produtor de carros do planeta. O plano mais ousado é o da Noruega, que tem como meta tornar o transporte público gratuito, com veículos movidos a biogás e energia elétrica até 2020 e acabar com os carros a gasolina e diesel até 2025. Os vizinhos Suécia e Dinamarca têm planos semelhantes, mas preveem um pouco mais de tempo. Holanda, França e Inglaterra, também já anunciaram que pretendem substituir seus veículos poluentes em pouco mais de duas décadas.
Mundo sem petróleo
Em meio aos grandes debates que se faz sobre o tema em todo o planeta, uma pergunta vem à tona: existe possibilidades reais de substituir a curto prazo os veículos movidos a petróleo?
A questão envolve interesses variados, de grupos defensores do meio ambiente à indústria automobilística às petroleiras. Entre especialistas e defensores de carros não poluentes a maioria defende que é possível avançar em uma estrada que levará a um mundo livre da poluição, mas há visões diferentes de como chegar lá e também de gente que defende os combustíveis fósseis.
“Infelizmente, esta será uma transição complexa, e vale a pena pensar tanto nos meios de descarbonizar veículos quanto nos obstáculos”, escreveu o engenheiro e especialista em planejamento energético Hal Harvey em artigo publicado no site da Energy Innovation, uma organização voltada ao apoio a políticas que buscam acelerar o progresso em energia limpa. Ele diz que no período de transição será necessário simultaneamente viabilizar a expansão dos carros elétricos e melhorar drasticamente o motor de combustão interna. Assim, as duas tecnologias conviveriam juntas por um período.
Para o engenheiro químico Carlos Yamamoto, diretor da Agência de Inovação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), têm uma visão um pouco diferente. Para ele, nos países europeus que já anunciaram planos para acabar com os veículos a gasolina e diesel é possível fazer a mudança rapidamente sem grandes problemas. “São países com frotas pequenas, autossuficientes em energia. Só precisam de estrutura, mas isso é facilmente resolvido”, diz. Quanto à China, Yamamoto vê dificuldades pelo fato de o país ser dependente do petróleo. “Certamente vão usar termelétricas para produzir a energia que irá mover os carros elétricos”, prevê. “Além da questão econômica, eles têm um problema grave de poluição. É uma necessidade”, acrescenta.
A questão central, segundo professor, é a baixa eficiência energética do motor movido a petróleo, que fia em torno de 23%. “Para se ter uma ideia, o combustível usado em uma termelétrica gera energia que dá para rodar mais quilômetros com um carro elétrico do que seria possível percorrer se o mesmo combustível fosse usado num carro com motor a combustão”, explica Yamamoto.
Para o especialista em transporte sustentável em Olimpio Alvares, fundador da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, as mudanças rápidas. “O mundo vai agir rápido daqui para frente na migração para as tecnologias baseadas em energias renováveis não-fósseis. Estamos falando de banimento daqui a 22 anos das vendas de veículos leves, basicamente automóveis, movidos a gasolina e diesel”, prevê.
Do outro lado da batalha está Matthew Ridley, jornalista, escritor, político conservador e zoólogo inglês. Premiado autor de obras de ciência popular, Ridley é taxativo em suas avaliações sobre o uso de combustível fóssil.
“Nos anos recentes, o movimento ambientalista avançou três argumentos para justificar o abandono dos combustíveis fósseis: (1) que, em qualquer caso, dentro em breve se esgotarão; (2) que as fontes alternativas de energia irão arredá-los, pelo preço, do mercado; e (3) que não podemos arcar com as consequências da sua queima para o clima. Nos dias que correm, nenhum dos três argumentos parece gozar de boa saúde. Na verdade, uma avaliação mais realista da nossa energia e situação ambiental sugere que, nas próximas décadas, iremos continuar a depender esmagadoramente dos combustíveis fósseis que têm contribuído de forma tão dramática para a prosperidade e progresso do mundo”, disparou o escritor em recente artigo.
Carros elétricos e baterias: as dificuldades
Um dos principais problemas apontados para o avanço rumo ao fim do uso de combustível fóssil em veículos automotores é a falta de infraestrutura para atender a demanda de carros movidos a eletricidade. Para massificar os veículos elétricos seria preciso implantar milhões de estações de carregamento em todo o mundo.
“Isso requer uma despesa de centenas de bilhões de dólares. E ainda não está claro quem deve pagar por isso e quem deve fazer o trabalho. Muitos acreditam que a eletrificação do veículo pode ser um elemento central de um novo modelo de negócios para empresas elétricas – e certamente concordamos – mas isso, por sua vez, exige uma mudança nos regulamentos em que os serviços públicos operam e geralmente uma mudança na abordagem de gerenciamento”, explica o engenheiro e especialista em planejamento energético Hal Harvey.
Outro problema são as baterias, hoje ainda muito pesadas, caras e que exigem muito tempo para carregamento. Mas os avanços são rápidos. “Hoje já temos baterias que permite viajar 600 quilômetros e com uma recarga de meia hora – o tempo de fazer um lanche – é possível andar mais 400 quilômetros. Os preços também cairão drasticamente com novas tecnologias e a produção em série”, diz o engenheiro Carlos Yamamoto, professor da UFPR.