O Brasil entrou no cenário da disputa mundial pela rede 5G faz algum tempo, mas só nos últimos dias se transformou no principal campo de batalha dos Estados Unidos para barrar a ofensiva da China. O clima esquentou ainda mais nesta semana com a declaração do embaixador americano Todd Chapman de que seu país vai dar crédito, por meio de agências oficiais, para empresas de telecomunicações brasileiras, caso o país decida eliminar a gigante chinesa de tecnologia Huawei.
A briga do governo de Donald Trump com a China poderia ter pouco significado para os brasileiros não fosse o fato de os chineses serem os maiores parceiros comerciais do Brasil. De janeiro a setembro deste ano, mesmo com a pandemia de covid-19, as transações comerciais entre Brasil e China chegaram a US$ 78 bilhões, quase US$ 5 bilhões a mais que no mesmo período do ano passado. Os chineses compraram US$ 53,4 bilhões de produtos brasileiros nos nove primeiros meses de 2020 e venderam US$ 24,6 bilhões. Com isso, o saldo do Brasil nos negócios com o país asiático ficou positivo em US$ 28,7 bilhões, mais de US$ 8 bilhões que o registrado no mesmo período de 2019.
Com os EUA, pelo contrário, a situação piorou para o lado brasileiro. De janeiro a setembro deste ano o Brasil conseguiu vender apenas R$ 15,1 bilhões para os norte-americanos. Em contrapartida, os ‘gringos’ venderam para os brasileiros R$ 18,2 bilhões, o que resultou em saldo negativo para o Brasil de mais de US$ 3 bilhões. O volume de negócios entre os dois países despencou: foram US$ 33,3 bilhões em transações comerciais nos nove primeiros meses deste ano contra US$ 44,7 bilhões no mesmo período de 2019 – uma queda de mais de US$ 11 bilhões (cerca de 25%).
Mas quem está mais preocupado com o fato de o Brasil ter se transformado no principal palco da disputa de Trump com a Huawei? As empresas de telefonia que atuam no Brasil – como Vivo, Claro, Tim e Oi –, por estarem diretamente no meio do redemoinho, estão apreensivas e têm se manifestado. Mas a preocupação é maior entre produtores de soja, carne, açúcar e celulose, principais produtos de exportação do Brasil para a China. Há o temor de que, aos poucos, a China passe a comprar mais de outros países, deixando os produtos brasileiros em segundo plano.
Com a globalização dos sistemas de produção agrícola e pecuária avançando rapidamente, a cada ano surgem novas opções aos chineses para importar o que precisam. Uma eventual proibição à Huawei poderia levar a China a procurar outros parceiros. Aqui na América do Sul, por exemplo, o governo da Argentina anunciou no último dia 2 uma redução de impostos sobre exportações de soja, de 33% para 30%. O Paraguai, outro competidor, já é o quinto maior produtor de soja do mundo e o terceiro maior exportador. E os EUA, que querem barrar o 5G chinês no Brasil, é um dos principais exportadores de soja para a China, competindo diretamente com o Brasil.
No mercado de carne bovina, a Austrália tem grande oferta, apesar de o país ter sofrido com as queimadas. A Índia, embora considere a vaca um animal sagrado pelo hinduísmo, é um dos maiores exportadores mundiais de carne de búfalo. Quanto à carne de frango, países como a Tailândia vêm aumentando as exportações ano a ano.
O tema está quente também no Congresso, onde a bancada do agronegócio atua para impedir eventuais prejuízos aos produtores com uma decisão do governo. Durante uma live promovida pela Genial Investimentos, em julho passado, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, afirmou ser a favor da participação da China no leilão da infraestrutura 5G no Brasil. “Eu não tenho nenhum problema com a China. Estou defendendo radicalmente a participação dos chineses no leilão do 5G”, disse.
No começo deste ano, o Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), órgão do Senado, promoveu um evento para discutir vantagens e riscos à privacidade na implementação do 5G no Brasil. O evento teve participação de especialistas do setor, do governo e da academia. O diretor executivo do ILB, cientista político Marcio Coimbra, defendeu que o Brasil discuta a aplicação do 5G sem ideias preconcebidas, explorando a fundo o que essa tecnologia pode gerar de impactos positivos para a sociedade. Sem, é claro, descuidar dos riscos relacionados à proteção dos dados na rede.
Para as empresas de telecomunicações em operação no Brasil, uma eventual proibição à Huawei pelo governo Bolsonaro poderá provocar atraso na implantação da nova tecnologia no país e aumento de custos. O cenário ideal para as companhias seria a abertura para a competição, o que incluiu Ericsson, Nokia e Huawei. As telefônicas têm expectativa de poderem utilizar parte do sistema 4G para instalar a nova rede, mas grande parte da tecnologia usada atualmente é da empresa chinesa.
Na realidade, o sistema de telefonia móvel brasileiro traz o DNA chinês. A Huawei fornece equipamentos tanto para as grandes – Vivo, Tim, Claro e Oi – quanto para empresas menores. Das mais de 86 mil estações rádio base (ERBs) em operação no Brasil, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), cerca de 70 mil foram fabricados pela Huawei, ou seja, mais de 80%.
Esses equipamentos são os responsáveis por transmitir sinal 2G, 3G e 4G a smartphones, modens, maquininhas de celular e todo tipo de aparelho que usa rede móvel. Uma parte considerável desses equipamentos poderia ser aproveitada pelas teles para a implantação do 5G. Trocando em miúdos, proibir a tecnologia da Huawei exigiria trocar também a rede 4G, isto é, o país teria que implementar uma 5G do zero, o que aumentaria o preço e demandaria mais tempo, segundo os especialistas.
O embaixador americano Chapman falou em US$ 1 bilhão em crédito às telefônicas caso o Brasil proíba a Huawei. Além dos valores serem considerados irrisórios diante da demanda de investimentos para o 5G, há a indefinição de quem estará na Casa Branca nos próximos quatro anos. Uma vitória do democrata Joe Biden poderia alterar todo o cenário de disputa entre China e Estados Unidos.
Percebendo a ‘saia justa’ com a investida de Trump, o embaixador brasileiro nos EUA, Nestor Forster, procurou esfriar o assunto. Disse que a decisão sobre a Huawei não será tomada agora. “É razoável que isso seja olhado com a seriedade que requer o assunto, e essa decisão eu entendo será tomada mais para frente, no início do ano que vem. Não se trata de banir essa ou aquela empresa, trata-se de procurar atender ao interesse nacional brasileiro. Isso que está em jogo”, disse.
Além da disputa pelo 5G, os EUA atuam no sentido de convencer o Brasil a diminuir importações da China. Durante cúpula virtual sobre o aumento da cooperação EUA-Brasil, nesta segunda-feira (20), o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, alertou que os EUA e o Brasil precisam diminuir sua dependência de importações da China para sua própria segurança agora que os dois países estão reforçando sua parceria comercial.
A China respondeu em seguida. Em nota, a embaixada chinesa no Brasil, representada por Yang Wanming, declarou que o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, e o Conselheiro do presidente americano para Assuntos de Segurança Nacional, Robert O'Brien, espalharam com má fé mentiras políticas contra a China, tendo fabricado a chamada "ameaça chinesa" para atacar a tecnologia de 5G do país asiático.
"Ao ignorar os fatos básicos e produzir comentários baseados na mentalidade de guerra fria e jogo de soma zero, eles têm como objetivo real servir a certos interesses políticos, tirar proveito político dos ataques que difamam a China, atrapalham a cooperação internacional e instam a confrontação", diz o comunicado da embaixada.
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