Foto: Ari Versiani/AFP| Foto: AFP

O trocadilho do título deste artigo com o álbum que revolucionou a música brasileira e mundial – Chega de Saudade (1959) – pode soar piegas. Mas numa semana em que o mundo inteiro se despediu do último gênio da Bossa Nova, vale a pena lembrar que nunca é tarde para ouvir João Gilberto, morto no último dia 6, aos 88 anos.

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Com uma discografia de sonoridade singular, João Gilberto gravou 17 álbuns ao longo da carreira, sendo 13 deles em estúdio e seis ao vivo. Qualquer simples faixa de alguns de seus clássicos, gravados entre o final dos anos de 1950 e 1970, mostra porque ele vai estar para sempre no panteão da música popular brasileira.

Ruy Castro escreveu logo após a morte de João Gilberto que todos os grandes sambas "de bossa", com rara exceção, haviam sido compostos até 1951. “É como se, para João Gilberto, nos anos 1950, o Brasil tivesse desaprendido a fazer os sambas desse tipo. E, como essa bossa lhe parecesse esgotada ou esquecida, ele se sentiu obrigado a trazê-la de volta –e a criar uma bossa... nova”, brinca Ruy Castro.

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Além de criar um jeito de fazer música, João Gilberto deu acordes únicos a canções de Tom Jobim, Dorival Caymmi, Lúcio Alves, entre tantos outros compositores. Na batida de João Gilberto, foram revelados grandes talentos, como Carlos Lyra, Roberto Menescal, Baden Powell e Ronaldo Bôscoli, só para citar alguns. E a nova batida brasileira chegou aos quatro cantos do planeta.

Nestes dias em que se fala muito do gênio e de sua obra inestimável, há quem se arrisca a listar as principais músicas ou os álbuns mais importantes de João Gilberto. Uma pretensão realmente de grande risco. Mas não é demais citar algumas das obras de João Gilberto que mais marcaram a música brasileira e mundial.

Chega de saudade (1959)

Álbum que definitivamente revolucionou a música brasileira e levou a bossa nova mundo afora. A obra é fruto de uma parceria entre outros dois gênios, Tom Jobim e Vinicius de Moraes. O resultado não poderia ser outro.  Do canto inigualável e sem espontâneo de João Gilberto, aliado ao violão, surgiu um novo gênero musical que iria encantar o mundo. Além da música que leva o nome do disco, “Chega de Saudade”, estão reunidos aí outros clássicos como “Desafinado” e “Saudade Fez um Samba”.

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O Amor, o Sorriso e a Flor (1960)

O lançamento de “O Amor, o Sorriso e a Flor” consolidou a presença de João Gilberto no cenário musical em meio a uma onda de shows e o crescente interesse de jovens, transformando a bossa nova num movimento. O disco traz composições próprias de João Gilberto, como “Um Abraço no Bonfá”, mas as interpretações de músicas de Tom Jobim Dorival Caymi Carlos Lyra e outros expoentes da geração são insuperáveis. Estão nesse disco "Samba de uma Nota Só" (Antônio Carlos Jobim, Newton Mendonça), "Doralice" (Dorival Caymmi, Antônio Almeida), "Se É Tarde, Me Perdoa" (Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli), "Meditação" (Antônio Carlos Jobim, Newton Mendonça), "Corcovado" (Antônio Carlos Jobim) e muitas outras.

João Gilberto (1961)

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Esse disco completa a tríade que consagrou a bossa nova como gênero musical. Entre as faixas marcantes estão “Samba da Minha Terra”, de Dorival Caymmi; “O Barquinho”, de Roberto Menescal; e “Insensatez”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Getz/Gilberto (1964)

Com este álbum, João Gilberto entraria para a história ao ganhar o Grammy de “Álbum do Ano”. O disco foi produzido em parceria com o norte-americano Stan Getz, que vinha flertando com a bossa nova há alguns anos. A história da gravação é marcada por muita lenda e polêmica.  Conta-se que João Gilberto chegou a chamar Getz de gringo ‘burro’ e impôs de qualquer jeito que o baterista Milton Banana tocasse no disco. A faixa “The Girl From Ipanema”, com Astrud Gilberto nos vocais, levou o prêmio de “Gravação do Ano”.

A lista é vastíssima, com discos incomparáveis, como “En México”, de 1970, que marcou uma estadia de dois anos de João Gilberto no México e sua imersão na língua espanhola, em faixas como “Farolito” (Agustin Lara) e “Besame Mucho” (Consuelo Velasquez). Vale citar também “João Gilberto Live in Montreux (1987)”, “João (1991)”, “Eu Sei que Vou Te Amar (1994)” e “João Voz e Violão (1999)”.

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O lamentável é que os três primeiros discos de João Gilberto estão fora de circulação. Os álbuns considerados marca da bossa nova estão no meio de uma disputa judicial e não são encontrados em lojas de CDs nem estão disponíveis em streaming. Para ouvi-los, as opções são LPs remanescentes, raros em sebos, e vídeos de fãs nas redes sociais.