Um dos grandes problemas enfrentados pelas cidades de todo o mundo é a destinação dos resíduos sólidos. Apesar dos avanços na separação do lixo e na reutilização das sobras das atividades humanas, o problema está longe de ser resolvido. A reciclagem do material inorgânico e a transformação dos restos e dejetos orgânicos – em que pese ser viável – esbarram no baixo índice de separação dos resíduos e na falta de investimentos.
Inspirada nas experiências de cidades europeias, especialmente da Alemanha, uma empresa no Paraná se propõe a quebrar essas barreiras. Criada em 2014, a CS Bioenergia montou a primeira usina da América do Sul a produzir energia a partir de um ‘blend’ formado por lodo de esgoto e lixo orgânico.
Depois de quatro anos de instalação dos equipamentos e da fase de testes, em outubro de 2018 a usina construída no município de São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, começou a exportar energia elétrica para a rede da Copel. O próximo passo agora, segundo seus diretores, é conseguir retorno dos investimentos a partir da utilização do que hoje é destinado aos lixões e aos rios e córregos.
R$ 70 milhões
Esse é o valor investido até agora pela CS Bioenergia no projeto da usina que transforma lixo orgânico e lodo de esgoto em eletricidade.
A usina fica próxima à Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da Sanepar, em Curitiba, e tem capacidade para receber 20 toneladas de resíduos orgânicos e até 900 metros cúbicos de lodo de esgoto por dia. A planta instalada pode gerar até 2,8 megawatts (MW) de energia, quantidade suficiente para abastecer duas mil casas populares, mas ainda depende de licença ambiental para atingir produção plena.
Expansão
O projeto original prevê duas fases, com possibilidade final de elevar a produção a 5,6 MW – o dobro da capacidade instalada atualmente. Mas para chegar lá ainda há um longo caminho. Hoje a usina está trabalhando com 50% de sua capacidade, o que se traduz em cerca de 1,4 MW de energia produzida.
“Lodo de esgoto nós temos de sobra, mas precisamos de resíduo orgânico. A mistura é o que permite melhorarmos a produção do gás que toca os geradores de energia”, diz o diretor técnico da empresa, Geovane Camargo da Fonseca, ao explicar que o lodo é retirado da ETE da Sanepar.
A dificuldade em conseguir lixo orgânico, segundo o diretor administrativo/financeiro, Alexandre Martins, está nas restrições ambientais. Mas o problema deve ser resolvido em breve, prevê Martins. “Nossa licença ambiental era muito restritiva. Agora ampliamos o nosso escopo de licença ambiental e com isso vamos poder receber as 200 toneladas/dia de resíduos orgânicos que a gente precisa para poder gerar os 2,8 megawatts de eletricidade”, adianta.
Sem a ampliação da licença, a usina só pode receber resíduos orgânicos da Central de Abastecimento do Paraná (Ceasa), de shoppings centers e de restaurantes. Grandes indústrias, por exemplo, não podem hoje fornecer os resíduos orgânicos à CS Bioenergia. “Empresas da Cidade Industrial de Curitiba (CIC), só para citar um caso específico, têm grandes sobras dos restaurantes que servem refeições aos seus funcionários, mas nós não podemos coletar esse lixo orgânico porque é considerado resíduo industrial. Mas isso agora vai mudar. Na verdade, o que sai dessas empresas da CIC é resíduo orgânico, resto de comida, e poderá ser usado na usina”, explica Martins.
Fontes de receita
O aumento da produção de energia é vital para que a empresa consiga o equilíbrio financeiro. Hoje, a Copel não paga pela energia que a usina começou a repassar para a rede da estatal. A CS Bioenergia ainda não é comercializadora de energia, o que a impede de participar de leilões de venda. Como solução imediata, o valor que a usina deveria receber pelo fornecimento de eletricidade para a Copel é abatido na conta mensal de energia da Sanepar.
A remuneração da empresa não se restringe aos créditos da energia produzida. A CS Bioenergia recebe também pela coleta dos resíduos orgânicos, que seriam destinados ao aterro sanitário (lixão), e pelo tratamento da água do lodo do esgoto da Sanepar.
No futuro há previsão de outras fontes de recursos. Um deles, segundo o presidente da companhia, Fernando Stephanes, é a comercialização da água tratada. “Essa água que nós retiramos do lodo e tratamos não serve para consumo humano, mas pode ser usada por indústrias e diversos outros fins”, explica.
Outra fonte de receita será a comercialização do lodo seco como fertilizante. Atualmente o lodo de esgoto é bombeado a partir da estação da Sanepar diretamente para a usina. A parte sólida do lodo é separada e, depois da secagem, pode ser usada na agricultura.
A empresa também planeja entrar no mercado de comercialização de créditos de carbono. “Isso é para o futuro. Está sim nos nossos planos, mas primeiro temos que vencer outras etapas”, diz Stephanes.
No mercado de carbono, empresas que possuem um nível de emissão muito alto e poucas opções para a redução podem comprar créditos de carbono para compensar suas emissões. Do outro lado, empresas que contribuem para o desenvolvimento sustentável e adicionem alguma vantagem ao ambiente têm direito a vender créditos de carbono, que seria o caso da CS Bioenergia.
Processo de biodigestão
A biodigestão anaeróbia é o processo de decomposição de matéria orgânica que dá origem ao biogás. No caso da usina paranaense, o material orgânico proveniente da Ceasa, supermercados, shoppings e outros fornecedores é coletado por caminhões que fazem o transporte até a central de processamento, onde é feita a separação do material inorgânico, como plástico e papel.
Depois de separados, os resíduos orgânicos são bombeados para os biodigestores, onde são misturados com o lodo de esgoto coletado pela estação de tratamento da Sanepar. O “blend” é agitado e aquecido para facilitar a fermentação, produzindo um biogás de altíssima qualidade utilizado como combustível nos geradores de energia elétrica.
Além da obtenção de energia renovável, outra vantagem do sistema é contribuir para a redução da quantidade de resíduos encaminhados para os aterros. Também ajuda na limpeza da poluição da água, com aproveitamento do lodo coletado pela Sanepar.
Quando estiver operando com a capacidade total instalada atualmente, a usina vai permitir que o Paraná deixe de descartar, todos os dias, mil metros cúbicos de lodo de esgoto e 200 toneladas de lixo orgânico em aterros.
A empresa
A CS Bioenergia é formada pelo Grupo Cattalini – dono do maior terminal privado de graneis líquidos da América Latina, em Paranaguá – e a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar). A empresa privada tem 60% de participação no empreendimento, enquanto que os outros 40% pertencem à estatal paranaense. Desde a formação até hoje, a companhia investiu cerca de R$ 70 milhões no projeto – dados fornecidos pela diretoria financeira da companhia.
Por ser uma S/A, a CS Bioenergia é composta por diretoria executiva, conselho de administração e conselho fiscal. Três diretores formam o time executivo, dois indicados pela Cattalini e um pela Sanepar. O Conselho de Administração também é formado por representantes dos dois sócios. A presidente atual do conselho é a empresária Vanessa Cattalini Nappa.
Falta incentivo e investimentos
Estudo realizado pelo Ministério do Meio Ambiente concluiu que no Brasil falta incentivo para geração de energia a partir de resíduos de saneamento (lixo, esgoto). “Por conta da matriz energética estar fundamentada na energia hídrica, não se incentivou da mesma forma a geração de novas formas de energia elétrica”, diz o documento.
O estudo mostra ainda que o setor privado brasileiro manifestou pouco interesse em investimentos no setor por uma série de particularidades, tais como o elevado custo do capital nacional, a limitada capacidade para o desenvolvimento de projetos de financiamento externo, limitadas fontes de pesquisas tecnológicas, e restrições de barreiras regulatórias. Isso se dá principalmente porque as fontes renováveis (como no caso do biogás) geralmente transitam por diversos âmbitos da administração pública.
“Os investimentos em energia renovável apresentam, em sua maioria, custos superiores aos necessários para a adoção de fontes tradicionais. Não obstante, invariavelmente as energias renováveis trazem consigo externalidades positivas passíveis de serem mensuradas, como o desenvolvimento das áreas econômica e social”, ressalta o relatório.
Em todo o mundo, segundo o estudo, as principais dificuldades encontradas para a geração de energia a partir de resíduos orgânicos e esgoto dizem respeito à viabilidade técnica e econômica e aos problemas operacionais do sistema. “O Brasil apresenta ainda dificuldades adicionais. A primeira dela condiz ao elevado déficit nos serviços de saneamento básico. Outra dificuldade diz respeito aos equipamentos necessários, que apresentam custos elevados por serem, em sua maioria, importados, requerendo ainda recursos para sua manutenção. Dependendo da potência instalada na estação de tratamento de esgoto e do volume de biogás gerado, o investimento torna-se muito elevado, podendo inviabilizar o projeto”.
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