Das vezes em que produzi reportagens na França, nas décadas de 1990 e 2000, as eleições presidenciais francesas de 2002 despertaram grande atenção do mundo político. A disputa atraiu maior interesse pelo fato de que, pela primeira vez na história recente da Europa, um candidato nacionalista, de direita, havia chegado ao segundo turno: Jean-Marie Le Pen, da Frente Nacional.
Era a época do surgimento no continente europeu de movimentos contra imigrantes; período também em que a social-democracia perdia terreno. Mas na hora decisiva, a centro-esquerda francesa se uniu à centro-direita de Jacques Chirac e o direitista Le Pen não teve a mínima chance. De lá pra cá a extrema-direita ganhou espaço em vários países, assim como surgiu uma nova esquerda (o Podemos, por exemplo, na Espanha), mas agora a social-democracia dá sinais de recomposição, apesar de depender de alianças aparentemente complicadas.
As eleições na Alemanha, no último domingo (26), são um fator de peso nesse novo mapa-político que começa a se desenhar na Europa. Os sociais-democratas, liderados por Olaf Scholz, tiveram uma pequena vantagem sobre a centro-direita, o que não garante ao Partido Social-Democrata (SPD) a formação do governo.
Para substituir Angela Merkel, que ficou 16 anos no poder, Scholz cogita formar uma coalizão batizada de “social-ecológica-liberal”. Mas, que coisa é essa, afinal? Uma rápida análise evidencia que a tarefa de unir esses três grupos não será nada fácil.
A coalizão social-ecológica-liberal também foi apelidada de “semáforo”, considerando o vermelho dos sociais-democratas, o amarelo dos liberais e o verde dos ambientalistas. A brincadeira é que, neste momento, o acordo estaria no sinal amarelo, podendo ficar verde, o que significaria pista livre para a coalizão, ou vermelha, isto é, o fechamento.
A primeira parte, o que muitos analistas consideram um caminho fácil, é uma aliança dos sociais-democratas com Os Verdes (Aliança 90/Os Verdes), que ficaram em terceiro lugar na disputa (14,8% dos votos). O programa dos Verdes, da líder Annalena Baerbock, prioriza a sustentabilidade ambiental, econômica e social, o que os aproxima do SPD. Mas a união de sociais-democratas e verdes não é suficiente para formar maioria e ter força para governar. E aí entra a parte mais complicada da tal coalização social-ecológica-liberal.
Para montar o governo, Scholz terá de chegar a um acordo com os liberais. O Partido Democrático Liberal (FDP, na sigla em alemão), liderado por Christian Lindner, ficou em quarto lugar (11,5% dos votos) e terá um papel decisivo na composição do novo governo da Alemanha.
Historicamente, o FDP tem se coligado mais vezes com os conservadores da União Democrata-Cristão (CDU), mas também fechou acordo no passado com os sociais-democratas. Defensores do liberalismo econômico, os liberais estariam mais próximos de Armin Laschet, o candidato de Merkel, que ficou em segundo lugar (24,1% dos votos) e que também se move para montar o governo. Mas o FDP também tem em seu programa o liberalismo social, que prevê política de proteção social para todos os cidadãos, o que os aproxima minimamente da social-democracia.
Em contraposição à coalização social-ecológica-liberal, Laschet busca a "coalizão Jamaica", representada pelo preto da CDU, Os Verdes e os liberais, identificados pela cor amarela. A questão é que Os Verdes estariam mais próximos aos sociais-democratas.
O fato é que as eleições de domingo (26) na Alemanha criaram um cenário para acordos que não fazem parte da história política recente do país. Os blocos tradicionais – conservadores com liberais e sociais-democratas com verdes – agora, não têm força sozinhos para formar governo, o que abre o horizonte para três partidos com peso significante. A dúvida é se liberais e verdes conseguirão superar a diferença abismal em suas plataformas.
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