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Quase um quinto das crianças de até 12 anos de idade (uma em cada cinco crianças) não está recebendo alimentos o suficiente desde que a pandemia de coronavírus entrou em erupção. A insegurança alimentar em famílias com filhos menores de 18 anos aumentou cerca de 130% entre 2018 e final de abril deste ano. Duas em cada cinco famílias com filhos de até 12 anos de idade estão inseguras em relação à alimentação.
Esses dados estarrecedores não são de um país da América Latina ou da África, regiões em que praticamente não há estudos sobre o impacto da crise de coronavírus na alimentação das crianças e há uma preocupação muito grande. Os números fazem parte de dois levantamentos feitos nos Estados Unidos, maior economia do planeta, e confirmam a crescente insegurança alimentar que atinge parcela da população de menor renda do país da América do Norte.
Realizadas pelo Centro Nacional de Pesquisa de Opinião (Norc), da Universidade de Chicago, em nome da Data Foundation, e pelo Projeto Hamilton, da Brookings Institution, as pesquisas constataram que 17,4% das mães com crianças de até 12 anos relataram que seus filhos não estavam comendo o suficiente devido à falta de dinheiro. Em 2018, apenas 3,1% das mães com um filho de até 12 anos relataram situação idêntica, o que representa um aumento de 460%.
“Desde o início da pandemia de covid-19, a insegurança alimentar aumentou nos Estados Unidos. Isto é particularmente verdade para famílias com crianças pequenas.”
Trecho do relatório da Brookings Institution.
Para os pesquisadores, famílias e crianças são consideradas em insegurança alimentar se o entrevistado indicar as seguintes afirmações como verdadeiras: 1) A comida que compramos não durou e não tínhamos dinheiro suficiente para obter mais; 2) As crianças da minha casa não estão comendo o suficiente porque simplesmente não podemos comprar comida suficiente.
De acordo com o levantamento, as taxas de insegurança alimentar observadas nos Estados Unidos em abril de 2020 são significativamente mais altas do que as registradas em qualquer período entre 2001 a 2018 (dados disponíveis), o que inclui a severa crise financeira de 2008. “Olhando ao longo do tempo, particularmente para o aumento da insegurança alimentar infantil durante a Grande Recessão, fica claro que as crianças pequenas estão experimentando insegurança alimentar em uma extensão sem precedentes nos tempos modernos”, diz o relatório.
Os pesquisadores registraram ainda que 34,5% dos domicílios com filhos de menos de 18 anos tinham insegurança alimentar no final de abril de 2020. Em 2018, eram 14,7% dos domicílios.
As instituições responsáveis pelos estudos alertam que “os formuladores de políticas devem agir para proteger a saúde e o bem-estar do povo norte-americano, especialmente das crianças”. Para isso, devem fornecer recursos às famílias em insegurança alimentar.
“Para aumentar a segurança alimentar, a segurança econômica e o estímulo econômico, o Congresso deve aumentar imediatamente a generosidade dos programas de segurança alimentar e garantir que os níveis de benefícios permaneçam elevados. Os governadores devem trabalhar com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em ingês) para implementar esses programas”, diz o documento ao citar especificamente algumas medidas a serem tomadas:
- Aumentar o benefício máximo do Programa de Assistência Nutricional Suplementar (SNAP) em pelo menos 15% e dobrar o benefício mínimo;
- Fornecer ajuda de emergência às famílias qualificadas para receber o nível máximo de benefícios (mais de 5 milhões de crianças vivem nessas famílias);
- Estender o Pandemic-EBT (que fornece o valor da refeição escolar como vale de supermercado para famílias elegíveis quando as escolas são fechadas, pouco mais de US $ 100 por criança por mês) até o final do ano letivo de 2020-2021.
Bancos de alimentos são tábua de salvação para evitar a fome
A insegurança alimentar crescente nos Estados Unidos durante a pandemia de coronavírus atinge muito mais gente que as famílias com crianças. Bancos de alimentos em todo o país registraram aumento da procura nos últimos meses em decorrência do desemprego de milhões de pessoas e do fechamento contínuo dos negócios e da vida econômica devido à pandemia de coronavírus.
O problema é que os bancos de alimentos em todo o país estão enfrentando escassez. Em cidades como Nova York, San Diego, Chicago, Houston, El Paso e muitas outras não é incomum ver filas de pessoas mascaradas às portas de instituições de caridade. Segundo a New York Mission Society, mais de um terço dos bancos de alimentos da cidade fecharam por falta de suprimentos, doações ou voluntários, que são mais difíceis de recrutar por causa de temores de infecção.
A Feeding America, uma rede nacional de instituições de caridade, relata que, antes da pandemia, 1 em cada 7 americanos contava com bancos de alimentos. Agora, a demanda dobrou ou triplicou em muitas organizações.
A questão, segundo entidades, não é falta de produção. "Os EUA provavelmente têm um excedente de alimentos no momento", disse à agência Reuters Keith Dailey, vice-presidente de assuntos corporativos da Kroger Co, a maior operadora de supermercados dos EUA. "É apenas difícil recuperar e redistribuir."
As dificuldades têm levado milhares de pessoas a se unirem para distribuir alimentos em várias partes do país. Organizações da sociedade civil reúnem voluntários e anunciam local, data e horário para distribuição de alimentos.
Uma dessas organizações que fazem ‘mutirões’ para distribuir alimentos e outros produtos de primeira necessidade é a Friends of the Poor and Family to Family (Amigos dos Pobres e Família para Família, em tradução livre). A instituição atua na Pensilvânia.
Em um evento no início de abril, na cidade de Dunmore, a Friends of the Poor reuniu mais de mil pessoas. Na Páscoa a instituição convocou voluntários para distribuir cestas na cidade de Scranton. “Somos o supermercado para essas pessoas", disse Ann Walsh, diretora executiva da Friends of the Poor.
Segundo a Feeding America, a pandemia de coronavírus aumentou em 17,1 milhões de pessoas que buscam seus 200 bancos de alimentos pelos país. “Muitos de nossos vizinhos que estavam empregados antes da pandemia agora se vêem demitidos ou com horas reduzidas. Frequentemente, isso significa que as pessoas trabalhadoras que estão fazendo tudo certo precisam de uma ajudinha extra para alimentar a si mesmas e suas famílias. E é aí que os bancos de alimentos intervêm – para preencher a lacuna durante a pandemia e além”, diz a instituição.