Célula fortemente infectada pelo novo coronavírus (em rosa).| Foto: Divulgação/National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAD)
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Na segunda-feira (4), pesquisadores da Universidade de Utrecht, do Erasmus Medical Center e do Harbor BioMed (HBM), na Holanda, relataram ter identificado um anticorpo monoclonal totalmente humano que impede o novo coronavírus (Sars-CoV-2) de infectar células. Menos de 24 horas depois, na terça-feira (5), o Instituto de Israel para a Investigação Biotecnológica, do Ministério da Defesa, anunciou que desenvolveu um anticorpo capaz de atacar com precisão o coronavírus.

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Os dois anúncios mostram outra face da corrida em busca de uma solução rápida para conter a pandemia de covid-19. Hoje existem mais de uma centena de estudos para encontrar uma vacina ao coronavírus, porém deve demorar mais de um ano, segundo as previsões. Sem uma vacina a curto prazo, os cientistas se esforçam para descobrir tratamentos que possam oferecer uma resposta urgente. É aí que entram dezenas de medicamentos em análise – como remdesivir e hidroxicloroquina, que até o momento não demonstraram grande eficácia – e os anticorpos monoclonais.

A descoberta anunciada na Holanda e publicada na revista Nature Communications, segundo os pesquisadores, é um passo inicial para o desenvolvimento de um anticorpo totalmente humano para tratar ou prevenir a doença respiratória covid-19, causada pelo Sars-CoV-2.

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De acordo com o trabalho publicado, o anticorpo experimental 47D11 foi capaz de neutralizar a proteína spike, que fica na superfície do novo coronavírus. A proteína spike, além de ser a responsável pela forma de corona no vírus, permite a entrada do coronavírus na célula ao conectar-se, como uma chave na fechadura, à enzima ACE2, presente na superfície das células.

"Esta pesquisa se baseia no trabalho que nossos grupos fizeram no passado em anticorpos direcionados ao Sars-CoV, que surgiu em 2002/2003", disse ao site da Universidade de Utrecht o professor Berend-Jan Bosch, coautor do estudo. “Usando a coleção de anticorpos Sars-CoV, identificamos um anticorpo que também neutraliza a infecção por Sars-CoV-2 em células cultivadas. Esse anticorpo neutralizante tem potencial para alterar o curso da infecção no hospedeiro infectado ou proteger um indivíduo não infectado que é exposto ao vírus”, explicou.

A descoberta promissora ainda deve percorrer outros caminhos para saber se será efetiva no combate ao novo coronavírus. "O anticorpo usado neste trabalho é 'totalmente humano', permitindo que o desenvolvimento prossiga mais rapidamente e reduzindo o potencial de efeitos colaterais relacionados ao sistema imunológico", afirmou Frank Grosveld, professor da Academia de Biologia Celular, do Erasmus Medical Center e diretor científico fundador da Harbor BioMed.

É necessário muito mais trabalho para avaliar se esse anticorpo pode proteger ou reduzir a gravidade da doença em humanos.

Jingsong Wang, CEO do Harbor BioMed (HBM).

O estudo de Israel vai na mesma linha. O Instituto para a Investigação e Biotecnologia de Israel (IIBR), que anunciou a descoberta do anticorpo que neutraliza o novo coronavírus, dedica-se também à investigação de armas químicas, procurando antídotos contra novas substâncias.

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"De acordo com os pesquisadores, liderados pelo professor Shmuel Shapiro, a fase de desenvolvimento do anticorpo foi concluída", disse em nota o instituto, sem mencionar se o anticorpo foi testado em seres humanos.

Após a divulgação, o Ministério da Defesa de Israel disse em comunicado que os cientistas do IIBR acreditam que o processo normal de testes e aprovações regulatórias poderá ser reduzido em "vários meses".

Vários estudos buscam anticorpo para impedir avanço da pandemia

Apesar da ampla divulgação nos meios de comunicação, os estudos na Holanda e em Israel não são os únicos na busca da identificação de anticorpos contra o Sars-CoV-2. Alguns pesquisadores esperam ‘peneirar’ um anticorpo neutralizante do sangue de um sobrevivente, enquanto outros estão tentando produzir a ‘arma’ em camundongos. Outros ainda pretendem ‘reprojetar’ um anticorpo existente ou até criar um diretamente a partir de sequências de DNA.

Ilustração de como os anticorpos atacam o novo coronavírus (Sars-Cov-2).| Foto: News Medical

As empresas Regeneron Pharmaceuticals e Sanofi, por exemplo, anunciaram o início de um ensaio clínico para avaliar o Kevzara (sarilumab) em pacientes hospitalizados gravemente em consequência de infecção do novo coronavírus. O sarilumab é um anticorpo monoclonal humano que inibe a expressão de uma citocina pró-inflamatória chamada interleucina-6 (IL-6), bloqueando seu receptor. Acredita-se que a IL-6 desempenhe um papel fundamental na resposta inflamatória hiperativa nos pulmões de pacientes com infecções graves por covid-19.

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"Temos pelo menos 50 – e provavelmente mais – empresas e laboratórios acadêmicos que são todos cavalos de corrida", disse à revista Science a imunologista Erica Ollmann Saphire, do Instituto de Imunologia La Jolla, que lidera um esforço para coordenar e avaliar esses candidatos. A Regeneron Pharmaceuticals, que desenvolveu um coquetel de três anticorpos monoclonais que funcionavam contra o vírus Ebola, segundo a revista, pode entrar em ensaios clínicos já no próximo mês com um candidato a medicamento monoclonal.

Saphire observou à Science que há muitas perguntas a serem respondidas. “Quais são os anticorpos mais eficazes contra esse vírus? Se precisarmos de um coquetel de dois anticorpos, qual é a combinação mais eficaz?”, questiona ao afirmar que “você pode querer um tipo muito diferente de anticorpo para prevenir a infecção versus um para tratar paciente já infectado."

Outro problema levantado é o custo de produção de anticorpos monoclonais, além da dificuldade de administração em pacientes. Os anticorpos monoclonais devem ser administrados por gotejamento intravenoso ou injetadas. São medicamentos caros, disponíveis principalmente em países ricos.

"Os anticorpos monoclonais podem ter um papel muito importante. As grandes questões serão a capacidade de fabricar em escala, distribuir e o custo final”, avalia Jeremy Farrar, chefe da instituição de caridade Wellcome Trust e especialista em doenças infecciosas, em reportagem da Science.

Mesmo que as pesquisas sobre anticorpos tenham êxito, os pesquisadores estão convencidos de que a solução definitiva só virá com uma vacina.

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