Ouça este conteúdo
O aumento do número de denúncias de assédio eleitoral nas eleições de 2022 colocou em alerta máxima o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Justiça Eleitoral. Até sábado, o MPT já havia registrado 1.176 denúncias de assédio eleitoral contra 212 casos em 2018, o que representa mais de cinco vezes o total anotado na eleição de quatro anos atrás. Autoridades e instituições temem que a ação de assediadores possa desvirtuar totalmente o resultado das eleições, o que provocaria sérios danos à democracia do país.
Além da multiplicação de casos, o número de empresas denunciadas por assédio eleitoral também cresceu. Em 2018 foram apenas 98 empregadores. Agora em 2022, até o final de semana, já eram 952, quase dez vezes mais.
O assédio eleitoral aumentou não só nos locais de trabalho privados. Há registros de administrações estaduais e municipais, além de outras repartições públicas, em diferentes esferas do poder público, que vêm adotando tal prática prevista como crime. Há também assedio nas escolas, com professores sendo pressionados.
Procuradores, integrantes da Justiça Eleitoral, dirigentes sindicais e outras instituições que atuam no combate ao assédio eleitoral veem claramente uma tentativa dos assediadores de interferir no resultado das eleições. Por meio de ações ilegais, há claro objetivo de eleger um candidato que os autores de assédio apoiam.
O assédio eleitoral é considerado grave crime contra a democracia. Além de ferir frontalmente a Constituição, viola também o Código Eleitoral, a legislação trabalhista e convenções internacionais, como o Pacto Sobre Direitos Civis e Políticos da ONU.
A Constituição brasileira garante a liberdade de consciência, de expressão e de orientação política, protegendo o livre exercício da cidadania por meio do voto direto e secreto. Em seu artigo 14, a Carta é clara: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”.
O Código Eleitoral estabelece, em seu artigo 299, que é crime “dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita”. O artigo 301 deixa claro que a mera tentativa de constranger a eleitora ou eleitor também é crime.
O assédio eleitoral dentro de empresas e instituições públicas se caracteriza pela coação, pressão psicológica ou constrangimento, ameaça de demissão, ou promessa de benefícios e vantagens (oferta de dinheiro, o que caracteriza compra de votos, concessão de folgas ou bonificações). A prática, que envolve empregadores, chefes, colegas de trabalho e detentores de cargos públicos, atenta contra a dignidade da pessoa, submetendo-a a constrangimentos e humilhações com a finalidade de forçar a vítima a seguir determinada orientação política e votar em determinado candidato.
O assédio eleitoral também pode ser verificado pela distribuição de material de campanha dentro das empresas e repartições públicas, de normas e determinações internas que dificultam ou impedem a pessoa de votar. A prática, velada ou explícita, pode ocorrer tanto no trabalho presencial quanto no remoto.
Formas de assédio eleitoral
- Coação, pressão psicológica, humilhações ou constrangimentos por divergências políticas
- Oferta de benefícios (dinheiro ou folga, por exemplo) para votar em determinado candidato
- Ameaça de demissão e uso de violência
- Dificultar o acesso à votação (impedir de votar)
- Pedidos para que o funcionário ou funcionários se manifeste a favor de políticos em redes sociais
O aumento de casos de assedio eleitoral nas eleições de 2022 já era visível no primeiro turno, mas se agravou no segundo turno. Os exemplos são gritantes. Um dos primeiros casos que chamaram a atenção envolveu o proprietário da empresa Cerâmica Modelo, em São Miguel do Guamá, no Pará. Em um vídeo gravado no dia 4 de outubro, logo após a votação do primeiro turno, o empresário prometeu R$ 200 para os empregados em caso de vitória de Bolsonaro. Após a repercussão do caso e denúncias ao MPT, no último dia 7 o empresário assinou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), em que aceitou gravar novo vídeo, em prazo de 48 horas, pedindo desculpas aos funcionários e à sociedade. Também aceitou pagar multa, indenizar seus funcionários por danos e regularizar situações trabalhistas.
Outro caso que retrata o cenário de assedio eleitoral no segundo turno das eleições foi registrado em Betim, na Grande Belo Horizonte (MG). Funcionários do frigorífico Serradão denunciram que foram obrigados a usar blusa amarela com slogan e número do candidato Jair Bolsonaro (PL) e que patrões prometeram um pernil para cada um caso o atual presidente seja reeleito.
No Rio Grande do Sul, a mineradora Brazil Original Minerais firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) após ter divulgado um comunicado a fornecedores e prestadores em que pedia apoio a temas associados à campanha eleitoral de determinado candidato. Pelo acordo firmado, a empresa se comprometeu a distribuir e afixar em quadros de avisos de suas unidades um comunicado de que a livre escolha no processo eleitoral é um direito assegurado e que é ilegal realizar campanha pró ou contra candidatos no ambiente profissional.
Para representantes do Ministério Público do Trabalho, da Justiça Eleitoral e das entidades de trabalhadores, uma dificuldade é impedir que, mesmo após a autuação e acordos de ajuste de conduta, o assédio eleitoral volte a ser praticado. Para inibir a ação de assediadores, de acordo com essas instituições, é fundamental que pessoas assediadas denunciem, mas muitas pessoas temem ser descobertas e sofrer represálias, embora o sigilo do denunciante seja assegurado.