Foi um levantamento perfeito ou a bola levantada pela jogadora Carol Solberg deu um giro em torno de seu eixo, o que é considerado infração no vôlei de praia? O grito “fora Bolsonaro!” da atleta durante uma entrevista ao SportTV, no domingo (20), após conquistar a medalha de bronze na etapa do circuito brasileiro da modalidade, abriu uma disputa política no mundo do esporte.
Para quem criticou a atitude da jogadora, manifestações políticas não cabem durante uma competição. E mais: nas redes sociais foi desencadeada uma campanha para que o Banco do Brasil retire o patrocínio ao vôlei brasileiro. De outro lado, para os defensores de Carol – incluindo um grande número de adversários políticos de Bolsonaro, que replicaram o vídeo na internet –, atletas têm direito à liberdade de expressão.
Carol Solberg é filha de Isabel, ex-titular da seleção brasileira de vôlei que declarou voto em Fernando Haddad (PT) em 2018.
A Comissão Nacional de Atletas do Vôlei de Praia soltou nota oficial na segunda-feira (21), assinada por seu presidente, Emanuel Rego, apontando ‘falta’ de Carol. “A Comissão Nacional de Atletas vem, através desta, ressaltar que não é favorável a nenhum tipo de manifestação de cunho político em competições esportivas. Lutaremos ao máximo para que esse tipo de situação não aconteça novamente”, divulgou a entidade.
A ex-jogadora de vôlei e comentarista do programa 'Pingos nos Is', da rádio Jovem Pan, Ana Paula Henkel, medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Atlanta (1996), disse que “todo mundo tem o direito de falar o que pensa, até os ignorantes. Apesar disso, afirmou ser contra qualquer tipo de punição, mesmo que Carol tenha patrocínio de um banco estatal – o Banco do Brasil. Ana Paula também comentou que integrantes da família de Carol são chamados no Rio de Janeiro de "marxistas de Ipanema".
A Confederação Brasileira de Voleibol (CBV), da qual a comissão de atletas faz parte, repudiou a atitude de Carol e afirmou que “tomará todas as medidas cabíveis para que fatos como esses, que denigrem a imagem do esporte, não voltem mais a ser praticados".
A manifestação da entidade máxima do voleibol brasileiro, que poderia servir de árbitro da confusão, tumultuou ainda mais o jogo. O uso da palavra “denigrem” foi criticada como uma atitude racista.
“Denegrir é uma palavra de cunho racista, jamais deveria ser usada em qualquer situação. Estamos na luta diária contra o racismo, com campanhas educativas, protestos, então seria ótimo repensar o uso de certos termos... Como atleta preta, que muito conquistei e representei esse país, não posso me calar. Sempre vou apoiar a democracia e liberdades individuais e, em especial, a causa contra o racismo estrutural e diário que ainda insistimos em conviver achando 'normal'", reagiu pelo Twitter a meio de rede Fabiana Claudino, medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim (2008) e Londres (2012).
O ex-atacante e comentarista de futebol Walter Casagrande, o Casão, também saiu em defesa de Carol. “Em seu legítimo direito de se expressar politicamente, a atleta Carol Solberg, do vôlei de praia, terminou entrevista ao Sportv com um ‘Fora Bolsonaro!’. (...) Nós, do movimento Esporte pela Democracia, treplicamos aqui de maneira singela: a única medida cabível à CBV é seu silêncio em respeito à liberdade de expressão”, tuitou.
Após o caso ganhar a mídia, Carol Solberg atacou a manifestação da CBV. “Não sou ativista, mas me sinto na obrigação de me posicionar e é lamentável e curioso que eu possa ser punida por exercer a minha liberdade de expressão contra este desgoverno”, afirmou em entrevista à Folha de S. Paulo. “Não tenho a menor ideia do que vai acontecer, mas a reação da CBV no meu caso foi bem diferente do ocorrido com o Wallace. Isso mostra alguma coisa.”
Ao citar Wallace, Carol se referiu a um episódio ocorrido em 2018, durante a campanha para a eleição presidencial. Os atletas Wallace e Maurício Souza – medalha de ouro nos Jogos Olímpicos do Rio (2016) –, fizeram o número 17 com os dedos numa foto durante disputa do Campeonato Mundial, em alusão ao número do então candidato Bolsonaro.
A foto dos jogadores chegou a ser publicada pela CBV em sua conta no Instagram. Em seguida, no entanto, a entidade excluiu a publicação e divulgou nota em que disse não “compactuar com manifestação política”.
A manifestação política de atletas em meio a eventos esportivos causa polêmica não é de hoje. Alguns episódios entraram para a história. Um deles foi registrado nos Jogos Olímpicos de 1968, na Cidade do México. Durante a cerimônia de premiação dos 200 metros do atletismo, os norte-americanos Tommie Smith e John Carlos – respectivamente medalhistas de ouro e de bronze na prova – baixaram a cabeça e levantaram os punhos com luvas negras, repetindo gesto do movimento “Panteras Negras”. O ato, segundo a dupla, era uma manifestação em favor dos direitos humanos.
Outro caso emblemático aconteceu nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936. Adolph Hitler pretendia usar a Olimpíada para comprovar sua tese da superioridade ariana, mas o velocista afro-americano Jesse Owens conquistou quatro medalhas de ouro, incluindo a da prova dos 100 metros rasos. No pódio, Owens se negou a olhar para a tribuna do de Hitler, que já havia deixado o Estádio Olímpico.
Na década de 1980, quando o Brasil passava pela chamada reabertura política, jogadores do Corinthians lideraram um movimento de gestão autônoma da equipe: era a Democracia Corintiana, que deu grande destaque a nomes como Sócrates, Casagrande e Wladimir. Alguns atletas do clube participaram das campanhas pelas eleições diretas.
No Futebol, tanto a Fifa como a CBF vetam manifestações políticas durante os jogos. A Fifa também proíbe os torcedores de entrar com qualquer cartaz de cunho político em grandes eventos esportivos no mundo inteiro.
O Comitê Olímpico Internacional (COI) divulgou regras para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, que foi adiado por causa da pandemia de covid-19: os atletas e envolvidos com a realização dos jogos estão proibidos de fazerem qualquer tipo de manifestação política, incluindo gestos com possíveis significados – como ajoelhar-se ou levantar o punho – assim como exibir mensagens escritas em faixas, placas, camisetas ou o uso de qualquer símbolo em potencial, como broches ou braçadeiras.
Como o caso envolvendo Carol Solberg divide opiniões, tem gente sugerindo recorrer ao ‘VAR’ para tirar a dúvida. Em tom humorado, se o ‘VAR’ se basear apenas em uma determinada regra do vôlei de praia, Carol tem chance de se sair bem. “Ao contrário do voleibol, não há falta por erro no posicionamento dos jogadores”, diz um dos fundamentos da modalidade. Mas se levar em consideração outra regra, Carol está complicada: “Quando um levantamento for realizado, a bola levantada não pode dar um giro em torno de seu eixo. Caso isso aconteça, no vôlei de praia, é marcada uma infração”.
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