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“CAPÍTULO I - PRINCÍPIOS E DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 1º.
1 - O Chile é um estado de direito social e democrático. É plurinacional, intercultural, regional e ecológico.
2 - Constitui-se como república solidária. Sua democracia é inclusiva e paritária.”
Os dois primeiros parágrafos que abrem o texto da nova Constituição do Chile demonstram, logo de início, a profunda mudança que os constituintes chilenos aprovaram. A proposta é considerada uma ‘revolução’ quando comparada com a Carta constitucional em vigor, estabelecida durante a ditadura militar comandada por Augusto Pinochet.
O texto elaborado e aprovado pelos constituintes será submetido à população, em plebiscito marcado para o dia 4 de setembro próximo. Para que o documento seja aprovado será necessário que mais de 50% dos chilenos votem a favor da proposta – o voto será obrigatório. Se for rechaçado, permanecerá em vigor a Constituição de 1980, o que abriria um novo cenário de forte tensão política no país.
A paridade prevista na proposta de nova Carta estabelece que as mulheres deverão ocupar ao menos 50% de todos os órgãos do Estado. E vai além: diz que o Estado promoverá a integração paritária em todos os espaços públicos e privados e adotará medidas para a representação de pessoas de gênero diverso”.
O Estado promoverá a integração paritária em suas demais instituições e em todos os espaços públicos e privados e adotará medidas para a representação de pessoas de diversos gêneros por meio dos mecanismos estabelecidos por lei.
Trecho do texto da proposta de nova Constituição do Chile.
O Estado Plurinacional e Intercultural proposto no texto da nova Constituição reconhece 11 povos e nações (Mapuche, Aymara, Rapa Nui, Lickanantay, Quechua, Colla, Diaguita, Chango, Kawashkar, Yaghan, Selk'nam", além de constituir Regiões Autônomas Indígenas, com a condição de que não se permite o separatismo nem ataques ao caráter "único e indivisível” do Chile. Os idiomas indígenas passam a ser oficiais em seus territórios e os símbolos e emblemas dos povos e nações indígenas serão reconhecidos pelo Estado.
Vários outros pontos do texto evidenciam a mudança profunda que está na mesa. Um deles trata de uma questão que nos últimos anos serviu de estopim para grandes revoltas no país: o sistema previdenciário.
Pela nova carta constitucional proposta, acaba o sistema único de aposentadoria privada. O texto diz que será estabelecido um “sistema público de seguridade social” e que o mesmo “será financiado por trabalhadores, empregadores, por meio de contribuições obrigatórias e renda geral da nação”. Prevê ainda que as entidades sindicais de trabalhadores e organizações de empregadores participarão da direção do sistema de previdência social.
A lei estabelecerá um sistema público de previdência social, que conceda proteção em caso de doença, velhice, invalidez, sobrevivência, maternidade e paternidade, desemprego, acidentes de trabalho e doenças profissionais, e nas demais contingências sociais de falta ou redução de meios de subsistência ou capacidade de trabalho.
Outro ponto de forte alteração diz respeito ao Poder Legislativo. Pela proposta de nova Constituição, o Senado é extinto. Com isso, são criados o Congresso de Deputadas e Deputados, para a elaboração de leis nacionais (com pelo menos 155 membros), e uma Câmara das Regiões, que fica limitada a leis regionais. As duas casas terão composição paritária entre homens e mulheres.
A proposta aprovada pelos constituintes encara de frente questões polêmicas em várias partes do mundo, como opção sexual, identidade de gênero e aborto. Diz que toda pessoa tem direito a decidir de forma livre e autônoma “sobre o exercício da sexualidade”. Estabelece ainda que o Estado deve garantir “a todas as mulheres e pessoas com capacidade de gestar condições para uma gravidez, uma interrupção voluntária da gravidez, um parto e uma maternidade voluntários e protegidos”.
Outro tema considerado fundamental se refere aos recursos naturais do país, especialmente a água, um recurso escasso em grande parte do território chileno. A Constituição em vigor prevê direitos privados sobre a água e outorga a particulares títulos de propriedade. O novo texto muda a regra e estabelece a água como um bem inapropriável, isto é, coisa ou direito o qual não se pode apropriar, tomar posse, assim como o ar, o mar territorial e as praias.
Na parte econômica, o texto prevê um sistema de pluralismo econômico, diversificação produtiva, de solidariedade e economia social. Garante ainda formas diversas de propriedade, gestão e organização.
Na questão da organização do trabalho, que tanto tem gerado disputa no Brasil, com as reformas trabalhista e sindical, o texto da nova Constituição chilena estabelece a liberdade de organização sindical e o livre direito de se sindicalizar ou não, mas prevê que as organizações sindicais têm direito a participar das decisões das empresas e que as entidades sindicais “são titulares exclusivas do direito de negociação coletiva”.
A nova Carta é composta por 388 artigos mais 57 disposições transitórias. Vista por constitucionalistas em todo o mundo como avançada e progressista, a proposta corre risco de sofrer rejeição por parte da sociedade chilena. Neste momento há muitas dúvidas sobre as possibilidades de aprovação ou recusa do texto.
Pesquisas realizadas por vários institutos mostram aumento da rejeição ao documento aprovado pela Assembleia Constituinte, composta de forma paritária, com 77 mulheres e 77 homens eleitos pela população. Levantamento publicado pelo portal Infobae, no último dia 4 de julho, conclui que, na média das pesquisas, 51% dizem “não” à proposta da nova Constituição, contra 36% dos que aprovam.
No Plebiscito Nacional realizado em 25 de outubro de 2020, os defensores da nova Carta obtiveram uma vitória esmagadora, com 79% de aprovação à proposta. Agora, os constituintes e os defensores da nova Constituição têm menos de dois meses para convencer a população a aprovar o texto.