Governadora Cida Borghetti durante anúncio de criação do curso de Medicina para a Unicentro, em Guarapuava. Foto: Jonas Oliveira/Governadoria| Foto:

Governadora assina decreto de nova escola médica na Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), em Guarapuava. Apesar de ter suspendido novos cursos, Ministério da Educação diz não ter competência para interferir nas universidades estaduais

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Em uma solenidade que reuniu lideranças políticas de toda a região centro-sul do estado na cidade de Guarapuava, no último dia 17 de maio, a governadora Cida Borghetti (PP) assinou decreto de criação do curso de medicina na Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro). A decisão da governadora poderia ter pouca repercussão não fosse uma portaria do Ministério da Educação (MEC), de 5 de abril, suspendendo a criação de novas escolas médicas em todo o país por cinco anos.

Durante o discurso na Câmara de Vereadores, Cida Borghetti não fez nenhuma referência à portaria do MEC. Preferiu ressaltar os interesses da comunidade da região. “O tão esperado curso de medicina é uma demanda de muitos anos solicitada por todos os municípios e discutida em conjunto. Este ato entra para a história acadêmica da Unicentro, Guarapuava e região. Um ato emblemático e que me dá uma grande alegria”, declarou.

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O tema da portaria, considerado politicamente delicado por integrantes da base aliada do governo, ficou a cargo do reitor da Unicentro, Aldo Bona. Ao discursar, o professor deixou claro que a decisão da governadora só foi tomada após um detalhado estudo entre a instituição de ensino e o governo do estado para evitar uma interferência de Brasília.

“Essa portaria (do MEC, que suspendeu novos cursos de medicina) é absolutamente inválida. O ministro assinou um documento que não vale nada, porque um ministro não tem competência para estabelecer regras maiores que uma lei, que é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), amparada na Constituição, que dá autonomia ao sistema estadual de Ensino Superior.”

Aldo Bona, reitor da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro).

“Estudamos junto ao governo essa portaria (do MEC) nos últimos dias. O jurídico da Unicentro se debruçou sobre esse tema. Discutimos no Conselho Estadual de Educação. Essa portaria é absolutamente inválida. O ministro assinou um documento que não vale nada, porque um ministro não tem competência para estabelecer regras maiores que uma lei, que é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), amparada na Constituição, que dá autonomia ao sistema estadual de Ensino Superior”, declarou Bona.

Em um momento de pré-campanha eleitoral, a decisão da governadora causou um grande impacto entre políticos da região. De prefeitos, deputados, vereadores a líderes de partidos aliados, o coro de elogios foi geral.  “O curso de Medicina da Unicentro simboliza, de forma definitiva, esse momento histórico que Guarapuava e cidades da região vivem, de entendimento e de articulação conjunta de todas as forças políticas”, disse em tom comemorativo o prefeito de Guarapuava, Cesar Filho.

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Competência

Em resposta a questionamentos sobre a criação do novo curso em Guarapuava, o Ministério da Educação informou, por meio de nota, que “a Unicentro não teve curso de medicina autorizado pelo governo federal”. E acrescentou que o MEC não tem poder para impedir a criação da curso, apesar da portaria publicada em abril proibindo novas escolas. “Trata-se de uma instituição pública estadual, Universidade Estadual do Centro Oeste – Unicentro, onde o Ministério da Educação não tem competência para atuar”, diz a nota.

Ao mesmo tempo em que admite não ter poder para interferir na decisão do governo do Paraná, o MEC observa que o executivo estadual terá de adotar critérios definidos pela União para implantar o novo curso. “Observamos que a LDB define que, para fins de regulação, os estados e o Distrito Federal deverão adotar os critérios definidos pela União para autorização de funcionamento de curso de graduação em Medicina”, pontua o ministério.

Na nota, o MEC também reforça a portaria que suspendeu a criação de novos cursos de Medicina. “Fica suspensa por cinco anos a publicação de editais de chamamento público para autorização de novos cursos de graduação em Medicina, nos termos do art. 3º da Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013, e o protocolo de pedidos de aumento de vagas em cursos de graduação em Medicina ofertados por instituições de educação superior vinculadas ao sistema federal de ensino”, diz a portaria 328 do MEC, publicada no Diário Oficial da União em 6 de abril. O “sistema federal de ensino” compreende, por lei, as instituições federais de educação superior, as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada e os órgãos federais de educação superior, o que excluiu as universidades estaduais.

Instituições de ensino rejeitam portaria

Enquanto entidades médicas, como o Conselho Federal de Medicina (CFM), conselhos regionais e Associação Médica Brasileira (AMB), saíram em defesa da portaria do Ministério da Educação (MEC) que suspendeu a criação de novos cursos, representantes das escolas rejeitaram a medida.  A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) considerou a portaria um retrocesso.

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“Estancar a criação de novas graduações na área médica não tem qualquer relação com a garantia da qualidade dos serviços prestados e nem dos profissionais que são disponibilizados no mercado de trabalho. As instituições de ensino passam anualmente por avaliações feitas pelo próprio Ministério, cujo processo inclusive está sendo reformulado”, diz Janguiê Diniz, diretor presidente da ABMES.

Em comunicado, o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp) avaliou que a suspensão da abertura de novos cursos de medicina demonstra uma situação “inaceitável” e que as instituições privadas que oferecem cursos de medicina já são avaliadas “sistematicamente” pelo próprio MEC.

Guarapuava passa a contar com duas escolas médicas

O curso de medicina da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) será ofertado no campus de Guarapuava, com 40 vagas. O início das atividades, de acordo com o decreto estadual, está previsto para 2019, em turno integral.

O projeto do curso foi aprovado pelos Conselhos Superiores da Unicentro em 2014. No mesmo ano, teve autorização da Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná e aprovação pelo Conselho Estadual de Educação. Desde então, estava na Casa Civil à espera de assinatura do decreto.

Após mais de três anos, o processo avançou de fato em agosto do ano passado, quando uma audiência pública, proposta pela vereadora Maria José Mandu Ribas foi realizada na Câmara de Vereadores de Guarapuava. A partir dali, houve uma grande mobilização dos representantes políticos da região.

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Segundo estudos apresentados pela Unicentro, o custo por aluno, no primeiro ano, será de 7 mil reais. A instituição diz que esse valor cairá gradativamente, ano a ano, chegando à R$ 2.600 no sexto ano e se mantendo nesse patamar nos seguintes. “Assim como nós tivemos o apoio de toda a comunidade e o apoio político para criar o curso, agora nós precisamos do apoio da comunidade e do apoio político para dar condições de que o curso funcione. A unidade da comunidade e a unidade das forças políticas será fundamental para que a Universidade não fique agora sozinha neste processo, nesta missão que é de interesse regional”, pediu o reitor Aldo Bona.

Com a decisão do governo do estado, Guarapuava contará com dois cursos de medicina, totalizando 95 vagas. O primeiro foi autorizado pelo MEC no ano passado e começou a funcionar neste ano. O curso, implantado na Faculdade Campo Real, uma instituição de ensino privada, oferece 55 vagas. Dez por cento das vagas devem ser concedidas por meio de bolsas a estudantes de baixa renda.

A Unicentro será a quinta universidade estadual a ofertar o curso de medicina no Paraná. São 240 vagas em seis escolas nas Universidades Estaduais de Londrina (UEL), Maringá (UEM), Ponta Grossa (UEPG), Cascavel (Unioeste) e Campo Mourão (Unioeste).

Na área da saúde a Unicentro possui os cursos de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Nutrição, Fonoaudiologia, Psicologia, Educação Física e Medicina Veterinária.

De acordo com dados do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), no estado existem hoje 20 escolas de medicina em funcionamento, incluindo a Faculdade de Campo Real, de Guarapuava. O total de vagas de ingresso no estado é de 1.954, sem contar as 40 vagas que o novo curso estadual vai ofertar.

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Qualidade da formação preocupa o CRM

O Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) considera irreversível a decisão do governo do Paraná de abrir 40 vagas na Unicentro, em Guarapuava, apesar de ser favorável à portaria do Ministério da Educação que veta a criação de novas escolas médicas por um prazo de cinco anos.

“O que nos preocupa é a falta de condições para a formação dos futuros profissionais. Para receber uma escola médica, uma cidade precisa ter estrutura mínima para a formação dos alunos. Há uma inequívoca necessidade de uma estrutura assistencial pública que permita treinamento prático dos estudantes”, diz o médico Luis Ernesto Pujol, secretário-geral do CRM-PR.

Essa estrutura mínima, segundo Pujol, consiste em unidades básica de saúde, unidades de pronto atendimento (UPA) e, principalmente, hospital-escola, “que é onde o aluno vai treinar, vai ter a prática médica”.

“O que nos preocupa é a falta de condições para a formação dos futuros profissionais. Para receber uma escola médica, uma cidade precisa ter estrutura mínima para a formação dos alunos. Há uma inequívoca necessidade de uma estrutura assistencial pública que permita treinamento prático dos estudantes.”

Luis Ernesto Pujol, médico, secretário-geral do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR).

“Toda faculdade de medicina tem de estar ligada a um hospital-escola, a exemplo do que temos em Curitiba com o Hospital de Clínicas (HC), da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Isso é uma exigência legal e lá em Guarapuava não há certeza de que haverá essa estrutura”, acrescenta.

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Outro representante do CRM-PR, o médico Frederico Guilherme Keche Virmond Neto, que atua em Guarapuava, também manifesta preocupação com a qualidade do ensino que será oferecido aos alunos da Unicentro.  “Já existem problemas na formação em escolas que estão em funcionamento hoje no estado. Será que vai ter professores preparados? Vai ter hospital-escola para formar esses alunos?”, questiona Virmond Neto ao afirmar que há carência de especialidades nos hospitais da cidade para formar os alunos.

A qualificação do corpo docente também preocupa Pujol. “Dizem que todo médico é um professor, mas nem todo médico tem a qualificação para ensinar. É preciso pelo menos um mestrado. Então é preciso um corpo docente capacitado, com especialistas-professores, que ensinarão na área de cinco especialidades básicas da medicina”, diz.

A Regional do CRM-PR em Guarapuava envolve 21 municípios, onde estão 395 médicos, 309 com pelo menos uma especialidade médica. De acordo com o Conselho, “a proporção é bastante positiva em termos de Paraná, mas não assevera indicativo de disponibilidade de mestres e doutores para suprir necessidades de duas escolas de medicina numa mesma cidade”.