Marcado historicamente por tremores de terra, o Chile sofreu um terremoto político-eleitoral no domingo (16). Dos 155 eleitos para elaborar a nova Constituição do país, apenas 50 são militantes de partidos. Os independentes conquistaram a maioria das cadeiras da Constituinte, seja por listas fora das coalizações partidárias tradicionais ou por meio de vagas abertas nos partidos para pessoas sem vínculos com as siglas.
Ao todo, os independentes conquistaram 105 cadeiras, o que representa 68% dos eleitos para elaborar a nova Constituição. Nesse número estão computadas 17 vagas destinadas aos ‘Povos Originários’, representados por diversos grupos, como picunches, mapuches e huilliches.
Em contrapartida, o Partido Socialista elegeu apenas 10 constituintes e os comunistas, 6. A direita tradicional e a centro-direita também não tiveram bom desempenho. O partido moderado Renovação Nacional, do qual faz parte o presidente Sebastián Piñera, conseguiu somente 10 assentos, mesmo número obtido pela direitista União Democrata Independente (UDI).
A derrocada dos partidos tradicionais – tanto à direita quanto à esquerda e ao centro – só não foi maior graças às vagas que eles destinaram a candidatos independentes. A UDI, por exemplo, teve sete eleitos pela cota independente, o que fez sua representação subir para 17 cadeiras, enquanto que o Partido Socialista somou 5 eleitos independentes, subindo sua cota para 15. Mas não há garantia de que os independentes eleitos pelos partidos seguirão a orientação destes na Constituinte.
Grande parte dos independentes se define como antipartidos e de esquerda. Estão em posição distante da tradicional centro-esquerda representada pela ex-Concertación (hoje Unidad Constituyentes), que governou o país a maior parte do tempo desde a fim da ditadura militar, e muitos deles se situam mais ao extremo da esquerda liderada pela Frente Ampla e o Partido Comunista.
Um exemplo dessa nova cara da política chilena é ‘A Lista do Povo’, organização que despontou durante os protestos de 2019, na Praça Itália, em Santiago, reunindo milhões de pessoas. O agrupamento elegeu 27 constituintes, sendo 18 mulheres.
Entre os objetivos pregados, a ‘Lista do Povo’ diz que busca um sistema político que deixe de privilegiar os partidos. “Nossa visão é um Chile com igualdade de gênero, plurinacional e digno. Um país empoderado e dono de suas riquezas naturais, que invista no maior patrimônio que tem: sua própria gente”, descreve o agrupamento em sua apresentação.
Outro exemplo é o agrupamento denominado ‘Independentes pela Nova Constituição’, formado por organizações da sociedade civil, membros de universidades, da cultura e de vários outros setores. O grupo elegeu 11 constituintes.
“Afirmamos que o Estado está a serviço de pessoas que, diferentes em suas identidades, são iguais em dignidade e direitos. Defendemos um modelo de desenvolvimento inclusivo, sustentável e descentralizado; acreditamos no respeito irrestrito dos direitos humanos universais e interdependentes; e numa democracia representativa e enriquecida com novos mecanismos de participação”, diz o movimento.
A direita e a centro-direita, agrupadas no bloco ‘Vamos Por Chile’, somou apenas 37 cadeiras (23,9%), considerando as vagas cedidas a candidatos independentes. Esse percentual é insuficiente para bloquear a aprovação de propostas à nova Constituição.
Com a composição surpreendente da Constituinte, a previsão é que haverá uma mudança radical na carta constitucional que foi elaborada ainda no período da ditadura militar.
Para muitos analistas, um dos pontos a cair primeiro é o sistema privado de aposentadorias, que em algum momento chegou a ser apresentado como modelo ao mundo e hoje enfrenta profunda crise. O pagamento de pensões abaixo do salário mínimo e a situação de pobreza de muitos aposentados levaram milhões às ruas para pedir mudança.
O mercado financeiro recebeu com pessimismo o resultado das urnas. A Bolsa de Santiago abriu a segunda-feira (17) em forte queda e fechou o dia com perda de 9,3%. O peso chileno perdeu 2,1% do valor frente ao dólar no dia.
O resultado das eleições para a Constituinte deverá impactar a escolha do novo presidente do país, marcada para novembro próximo. O eleito deverá assumir em março de 2022, quando a Constituição atual ainda estará em vigor e a nova – que será submetida a um plebiscito – estará sendo redigida.
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