Em um país onde as instituições estejam funcionando plenamente, é inadmissível que fiquem sem investigação denúncias de quaisquer crimes. No caso de denúncias envolvendo crimes contra crianças, a apuração deve ser urgente. Ainda mais se as revelações de tais crimes forem feitas pelo presidente da República e por uma ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. No Brasil, no entanto, fatos dessa natureza são rapidamente esquecidos e, em casos não raros, “engavetados” sob o argumento de que tudo não passou de disputa eleitoral.
Há extrema necessidade de que as declarações da ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos e senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF), durante um culto em uma igreja Assembleia de Deus, em Goiânia, em 08/10, sejam apuradas. Damares afirmou, sem apresentar provas até o momento, ter conhecimento de crianças brasileiras que tiveram seus dentes arrancados para a prática de sexo oral, no Pará. É uma denúncia gravíssima. O país tem a obrigação de esclarecer esses fatos à população e punir responsáveis por crimes, caso sejam comprovados, o que pode incluir também omissão de autoridades.
Outra afirmação de extrema gravidade partiu do presidente Jair Bolsonaro. Em pelo menos três ocasiões, Bolsonaro revelou ter conhecimento de crianças venezuelanas em situação de exploração sexual infantil em uma comunidade em Brasília, chamada São Sebastião. A primeira vez que se tem registro de declaração do presidente foi em 16 de maio de 2022, durante discurso na cerimônia de abertura da 36ª Edição da Apas Show (evento do setor supermercadista, transmitido pela TV Brasil), em São Paulo. A segunda vez foi em uma entrevista ao “Podcast Collab”, em 12 de setembro deste ano. A terceira, ao canal de YouTube "Paparazzo Rubro-Negro", especializado em futebol, em 14 de outubro. Nesta terceira fala, o presidente usou o termo “pintou um clima”.
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As afirmações de Damares e de Bolsonaro envolvendo prostituição infantil e abuso sexual de crianças precisam ser apuradas de forma isenta, em que todos os envolvidos serão investigados e ouvidos. Não deve ter relação com datas da eleição, mas sim fazer o trabalho devido e apresentar os resultados para a sociedade.
A Constituição brasileira estabelece, em seu artigo 227, que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. E vai além: “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente (§ 4º)”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê pena de reclusão de quatro a 10 anos, multa e perda de bens a quem submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual.
Os casos relatados por Damares e Bolsonaro levantam suspeita de omissão diante de crimes contra crianças, o que reforça a necessidade de esclarecimentos. Toda pessoa pode ser responsabilizada, de acordo com o Código Penal, no art. 13, § 2º, quando deveria agir para evitar um crime, mas preferiu se omitir. No caso de autoridade pública, a omissão implica também prevaricação (retardamento, omissão e abstenção das funções e responsabilidades do agente público). Presidente da República e ministros, como qualquer pessoa, não podem se omitir diante de crimes. Todos têm a obrigação de levar os casos imediatamente às instituições, órgãos e autoridades encarregadas de investigar e tomar as medidas necessárias.
As declarações de Damares chegaram à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, instância do Ministério Público Federal (MPF). O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos não enviou informações ao órgão no prazo estabelecido, último dia 17 de outubro, e pediu mais 30 dias. O MPF abriu então novo prazo de cinco dias para que o Ministério apresente explicações sobre as denúncias de exploração sexual de crianças na Ilha de Marajó, no Pará. Em nota, o ministério informou que "as afirmações foram feitas com base em numerosos inquéritos já instaurados que dão conta de uma série de fatos gravíssimos praticados contra crianças e adolescentes", sem informar se houve conclusão.
No caso das meninas venezuelanas, Bolsonaro gravou um vídeo em que pede desculpas por suas declarações. No vídeo, o presidente disse que sua fala foi tirada de contexto e atribuiu a repercussão negativa de suas declarações a "militantes de esquerda", mas não nega as declarações.
Após ter vindo a público as afirmações de Bolsonaro sobre as meninas venezuelanas, vários pedidos de investigação foram apresentados. O grupo Prerrogativas, que reúne juristas e advogados, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) investigação criminal contra o presidente pelas declarações.
Vários líderes políticos e partidos também entraram com ações cobrando investigação, entre eles o líder do PSB na Câmara, Bira do Pindaré (MA), a bancada do PSOL na Câmara dos Deputados e o deputado federal Túlio Gadêlha (Rede).
É inadmissível que as declarações de exploração sexual de menores e adolescentes e abuso sexual de crianças, feitas pelo presidente da República e por uma ex-ministra, fiquem sem apuração e que a sociedade fique sem os devidos esclarecimentos. O argumento de que tudo não passa de disputa eleitoral pode servir de subterfúgio para encobrir graves crimes.
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