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Integrantes de movimentos sociais invadiram a B3, a antiga bolsa de valores de São Paulo, no último dia 23 de setembro em protesto contra a especulação financeira e a desigualdade social. Manifestações como essa, que tiveram sua marca com o movimento Occupy Wall Street, em Nova York, em 2011, hoje estão atrasadas diante do grande fluxo de dinheiro que migra cada vez mais rápido para as novas formas de acumulação de capital financeiro. Atualmente, boa parte do dinheiro do mundo se converteu em criptomoedas, um dinheiro digital que foge do controle dos governos, dos impostos e do mercado tradicional.
Para efeito de mensuração, as 100 maiores cibermoedas em circulação acumulam hoje um valor de mercado de mais de US$ 2 trilhões. Esse valor é superior ao Produto Interno Bruto (PIB) da grande maioria dos países, incluindo o Brasil, que tem um PIB de cerca de US$ 1,4 trilhão. Dessas 100 moedas digitais, 97 têm capitalização de mercado superior a US$ 1 bilhão (mais de R$ 5 bilhões) e algumas delas têm volume de negociação de mais de US$ 20 bilhões a cada 24 horas.
O destaque é o bitcoin (BTC, na sigla do mercado financeiro virtual), criptoativo que nasceu em 2008 e deu origem à nova corrida mundial do mercado de capitais. Muitos conhecem a história das duas pizzas que se transformaram nas pizzas mais caras da história, mas vale a pena recontar rapidamente esse caso.
Há apenas 11 anos, em maio de 2010, Laszlo Hanyecz, um programador de software da Flórida e antigo integrante da equipe Bitcoin Core, comprou duas pizzas do Papa John’s por 10 mil BTCs. Na época, as 10 mil moedas virtuais tinham valor irrisório; até então ninguém havia feito transação comercial com bitcoin. Hoje, os mesmos 10 mil bitcoins valem cerca de US$ 480 milhões (mais de R$ 2,5 bilhões). E já valeu muito mais: no auge da cotação do BTC, em abril passado, os 10 mil bitcoins trocados por duas pizzas chegaram a valer US$ 600 milhões (mais de R$ 3 bilhões).
A ‘fama’ do bitcoin ajudou a propagar novas moedas virtuais, mas também esconde outros critptoativos que estão nas alturas. A moeda virtual ethereum (ETH) surgiu bem depois do BTC, em 2013, e ganhou capital após um hacker encontrar uma falha e roubar cerca de US$ 50 milhões de Ether (a moeda da rede Ethereum). Não faz muito tempo, em 2015, o ethereum valia pouco mais de 40 centavos de dólar. Hoje, vale US$ 3,4 mil. E já chegou a valer mais de US$ 4 mil.
A lista de moedas digitais que ganharam valor na velocidade dos bits é extensa. Alguns exemplos são Cardano (ADA), Binance Coin (BNB), Tether (USDT), XRP e Solana (SOL), todas com capitalização de mercado superior a US$ 45 bilhões.
Com a pandemia de coronavírus houve uma explosão de novas criptomoedas em todo o mundo, beirando já sete mil moedas. No sábado (02), a CoinMarketCap, uma das plataformas digitais de rastreamento de preços mais referenciadas do mundo para criptoativos, registrava em seu painel 6.947 criptomoedas.
As chances de uma dessas novas moedas repetir o feito do bitcoin são muito baixas, mas muitos desses nomes que pipocam todos os dias na internet podem fazer o investidor perder tudo que apostou em poucos dias, como também pode tornar alguém milionário de uma mês para o outro com pequenos investimentos.
Um exemplo recente de ‘cases’ nesse universo é a dogecoin (Doge), moeda digital que surgiu em 2013 como piada. Ela faz parte do mundo das criptomoedas ‘memes’ e foi criada para homenagear Kabosu, uma cachorra da raça japonesa Shiba Inu. A feição "impressionada" do animal viralizou nas redes sociais. O que era uma brincadeira virou um negócio bilionário, com a adesão de ricos e celebridades mundo afora.
O impulso maior da dogecoin veio com um choque elétrico: Elon Musk, CEO da Tesla, declarou que investe pesado no ‘moeda do cachorrinho’ e previu que ela poderá superar o bitcoin. Apesar dos riscos para quem apostar na doge – o cofundador do Ethereum, Vitalik Buterin, por exemplo, tem apontado diversos problemas com o ativo – o negócio não para de crescer.
Em maio do ano passado, logo após a explosão da pandemia, a doge valia meros US$ 0,002. Um ano depois, em maio deste ano, chegou a US$ 0,68, Quem decidiu jogar R$ 1 mil em dogecoin em maio de 2020 sacou mais de R$ 300 mil em maio de 2021, isso se teve esperteza de sair na hora certa.
Nos últimos meses, o mercado de criptomoedas sofreu fortes quedas, repetindo o efeito gangorra que tem marcado esse mercado. A China contribuiu para a turbulência. No último dia 24 de setembro, por exemplo, o Banco Central chinês declarou que todas as transações financeiras com criptomoedas são ilegais e o governo intensificou a repressão sobre esse tipo de operação e comércio.
Segundo o BC chinês, "o comércio e a especulação com bitcoin e outras moedas virtuais se estenderam, alterando a ordem econômica e financeira, aumentando a lavagem de dinheiro, a arrecadação de fundos ilegais, os esquemas de pirâmides e outras atividades criminosas e ilegais", num reconhecimento claro do poderio do universo das criptomoedas.
Mas, por outro lado, há contrapontos. No início do mês passado, El Salvador se tornou o primeiro país a adotar bitcoins como moeda legal, uma decisão que dividiu a opinião de economistas. O presidente do pequeno país da América Central, o millennial Nayib Bukele, diz que a mudança ajudará os salvadorenhos a economizar cerca de US$ 400 milhões que o governo calcula serem gastos anualmente em comissões para remessas. Protestos nas ruas contra o bitcoin se tornaram frequentes, com manifestantes preocupados com lavagem de dinheiro.
As bolsas de valores e os bancos, que centralizam os investimentos financeiros do mundo, se veem diante de uma ameaça. Os governos, que precisam de controle para arrecadar impostos, idem. O dinheiro dos cofres, dos colchões de nossos antepassados, tornou-se, literalmente, virtual. Guarda-se em bits.