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Aprovado em março passado pelos deputados norte-americanos, o projeto de lei chamado HR1 (oficialmente H.R. 1) chegou ao Senado e se transformou em novo campo de ‘guerra política’ entre conservadores e progressistas norte-americanos. A proposta, batizada pelos democratas de Lei Para o Povo (For The People Act), muda uma série de regras para as eleições nos EUA. A justificativa apresentada é reforçar a democracia, expandir o direito de voto, combater a corrupção, alterar leis de financiamento de campanha, dar transparência à entrada de dinheiro na política, criar novas regras de ética para titulares de cargos federais e limitar o ‘gerrymandering’ partidário, um processo que permite a determinado partido ou grupo manipular os limites de distritos eleitorais.
O HR1 foi originalmente apresentado pelo deputado democrata John Sarbanes, eleito por Maryland, e aprovado pela Câmara em 2019, mas não avançou no Senado, na época dominado pelos republicanos. Agora em 2021, os democratas reapresentaram a proposta como “HR1 & S1”, venceram a primeira batalha de votação na Câmara e apostam que vão ganhar também no Senado, apesar de enfrentar muitas dificuldades em uma casa dividida ao meio.
Mas, de fato, o que é o polêmico HR1? É um amplo projeto de reforma eleitoral dos EUA. A proposta tem mais de 800 páginas e abrange pontos nevrálgicos do sistema que rege as eleições norte-americanas, do direito ao voto às regras eleitorais e à ética política.
Entre os pontos de destaque, o HR1 cria um registro eleitoral automático em todo o país e garante que os indivíduos que cumpriram sentenças criminais tenham seus direitos de voto restaurados e possam participar de todas as eleições federais nos EUA.
O projeto também garante aos eleitores o registro no mesmo dia, seja nos locais de votação antecipada ou nas delegacias no dia da eleição. Cada estado seria obrigado a permitir pelo menos 15 dias de votação antecipada para as eleições federais, por pelo menos 10 horas por dia.
A proposta simplifica a votação pelo correio e estabelece o dia da votação como feriado federal.
Quanto às urnas, a proposta prevê modernizar o sistema de votação, com maior informatização e uso de 100% das máquinas de fabricação nacional.
A ‘Lei para o Povo’ exige que o presidente e o vice-presidente, assim como todos os candidatos a esses cargos, divulguem 10 anos da declaração de imposto de renda.
Outro ponto estabelece que cada estado crie comissões independentes (não compostas por legisladores) para aprovar a reconfiguração de distritos eleitorais. Cada uma das comissões incluiria cinco democratas, cinco republicanos e cinco independentes. Também dá ao público uma chance de se opor a distritos mal desenhados. A proposta prevê um período de comentários públicos e dá aos cidadãos uma base legal para contestar a ‘gerrymandering’.
O HR1 exige mais transparência na divulgação de doadores de campanha e estabelece uma contrapartida de financiamento público, bancado por uma taxa sobre corporações e bancos que pagam penalidades civis ou criminais.
A ‘Lei Para o Povo’ amplia a proibição de gastos de campanha por cidadãos estrangeiros e exige divulgação adicional de arrecadação de fundos e gastos relacionados à campanha. Também exige que redes sociais, como Facebook e Twitter, relatem publicamente a fonte e a quantidade de dinheiro gasto em anúncios políticos.
O projeto cria o primeiro código de ética para juízes da Suprema Corte, proíbe membros do Congresso de atuar em conselhos de entidades com fins lucrativos e estabelece conflito de interesses e ética adicionais para funcionários federais.
O HR1 veta o uso de dinheiro do contribuinte por membros do Congresso para cobrir determinados acordos em processos, como, por exemplo, um processo de assédio sexual ou discriminação.
A proposta enfrenta dura oposição. Mais de 300 organizações conservadoras, como a Heritage Foundation, o National Right to Life e a American Civil Liberties Union (ACLU), se posicionaram contra.
Algumas dessas entidades dizem que o projeto é um abuso do poder legislativo, pelo qual os legisladores em exercício atuariam para reduzir a crítica de alguns setores sobre as ações de os próprios legisladores. Também argumentam que a nova legislação abafaria certas vozes, que representam grandes segmentos do eleitorado e da economia, deixando-as fora do processo político e das eleições no EUA.
Analistas políticos do campo conservador, assim como veículos de comunicação, a exemplo do Wall Street Journal e da revista National Review, classificam a proposta de um ataque radical à democracia americana, federalismo e liberdade de expressão. Esse último ponto, da liberdade de expressão, é o de maior polêmica. A American Civil Liberties Union (ACLU), que defende o direito de voto em todo o país, se manifestou contra o HR1 por considerar que “existem disposições que interferem de forma inconstitucional nos direitos de liberdade de expressão dos cidadãos americanos e de organizações de interesse público”.
Outras críticas comuns são que o projeto prejudicaria a segurança eleitoral e que daria ao governo federal mais poder sobre as eleições, tirando força dos estados, além de estabelecer um "programa caro e desnecessário para financiar campanhas políticas".
Do outro lado, centenas de organizações e entidades defendem o HR1, como Center for Constitutional Rights, AFL-CIO (Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais, maior central de trabalhadores dos EUA), Common Cause , NAACP , Sierra Club , Center for Constitutional Rights, League of Women Voters, Brennan Center for Justice , Citizens United, Stand Up America e League of Conservation Voters.
Os progressistas rebatem as críticas dos conservadores. Dizem que a proposta vai fortalecer a democracia, na medida em que retira restrições impostas ao eleitor para votar, amplia o direito de voto, restaura a confiança do público no sistema eleitoral com o combate à corrupção, oferece maior transparência no financiamento de candidatos e reforça a ética.
Analistas políticos liberais e progressistas e importantes veículos de imprensa, como o New York Times, o Washington Post e a revista The Economist, apoiam o projeto sob a justificativa de que o HR1 "tornaria o sistema político americano mais acessível e responsável perante o povo" e colocaria fim a pelo menos algumas das práticas de supressão de eleitores adotadas nos últimos anos.
Para os defensores do HR1, as regras das eleições nos EUA há muito tempo precisam ser atualizadas.
O parlamentar democrata Sarbanes, autor do projeto original, diz que a reforma vai melhorar o acesso às urnas, hoje com muitas barreiras institucionais à votação; vai promover o direito ao voto; garantir a segurança, assegurando que as eleições nos EUA sejam decididas pelos eleitores americanos sem interferência, eliminando o dinheiro sujo na política, atualizando a divulgação de anúncios políticos online e exigindo que todas as organizações envolvidas em atividades políticas divulguem seus grandes doadores.
Os democratas argumentam ainda que o HR1 fortalece o poder político da maioria dos americanos, criando um sistema de correspondência múltipla para pequenas doações, quebra a influência do poder econômico em Washington e aumenta a responsabilidade ao expandir a lei de conflito de interesses, além de impor maior aplicação da ética.