No domingo (30), uma marcha liderada pelo Comitê Nacional de Defesa da Democracia (Conade) reuniu políticos opositores e representantes de movimentos sociais em La Paz para pedir a renúncia de todos membros do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) da Bolívia. Os participantes acusam o tribunal de não garantir transparência no processo eleitoral. Em outro protesto, no último dia 10 de junho, três dos oito candidatos a presidente da Bolívia – o ex-presidente Carlos Mesa, o empresário Oscar Ortiz e o ex-vice-presidente Victor Hugo Cárdenas – estiveram lado a lado. “Bolívia disse não, Bolívia disse não”, entoavam os manifestantes, em referência a um referendo realizado em 21 de fevereiro de 2016 em que a maioria dos eleitores decidiu que o presidente Evo Morales não poderia ser candidato a um novo mandato.
A mobilização dos opositores ao governo evidencia o clima político que antecede a campanha eleitoral no país vizinho. Afinal, Evo Morales é o presidente boliviano que está no cargo há mais tempo na história do país – ele assumiu o cargo em 2006 e foi reeleito duas vezes, em 2010 e 2014. Se vencer em outubro, vai exercer o quarto mandato consecutivo e poderá ficar 19 anos no poder.
Evo conseguiu tal façanha não só pelo grande apoio que tem no eleitorado, mas também com uma série de jogadas políticas. Em 2009 seus apoiadores aprovaram uma mudança constitucional, a qual estabeleceu a possibilidade de reeleição presidencial para dois mandatos consecutivos de cinco anos cada. Com isso ele disputou e venceu com folga as eleições de 2009 e 2014.
Pela mudança estabelecida na Constituição, com dois mandatos completos o atual mandatário não poderia concorrer agora em 2019. Mas com a economia do país em crescimento e a popularidade em alta, os partidários de Evo aprovaram a convocação de um referendo para modificar novamente a Constituição. Assim ele poderia concorrer a um quarto mandato. A proposta, no entanto, foi rejeitada por uma maioria apertada dos eleitores.
Quando tudo parecia decidido, o Tribunal Constitucional do país decidiu em novembro de 2017 suspender os artigos da Constituição que vetavam a candidatura de Evo em 2019 por entender que a norma feria os direitos políticos do presidente. Para completar, em dezembro de 2018, o Tribunal Eleitoral – o mesmo que reconheceu o resultado do referendo – admitiu que Evo pode concorrer.
Se novas decisões não surgirem até outubro, o Movimento ao Socialismo (MAS) – partido do presidente – tentará manter a hegemonia que já dura 14 anos na política boliviana. Mas o triunfo de Evo não deve ser tranquilo como das eleições anteriores.
Uma pesquisa encomendada pelo jornal do país, o La Razón, no mês passado, apontou o Carlos Mesa como o melhor colocado entre os oposicionistas. Mas Mesa, integrante do Movimento Revolucionário de Esquerda e que governou o país antes da ascensão de Evo, está dez pontos porcentuais atrás do presidente. Evo tem 38% das intenções de voto, Mesa 28% e o empresário conservador Oscar Ortiz, 8%. Levantamento do instituto Ipsos, de abril, também coloca o presidente na frente, com 33%, seguido por Mesa (25%) e Ortiz (7%).
Pela legislação eleitoral da Bolívia, se nenhum dos candidatos conseguir mais de 50% dos votos ou não houver uma diferença de mais de dez pontos porcentuais entre o primeiro e o segundo colocados, a decisão se dará em segundo turno. E é aí que podem vir os problemas para Evo. A maioria das pesquisas mostra que o presidente perderia para Mesa.
A aposta, tanto de governistas quanto da oposição, será na conquista dos votos dos indecisos. Algumas pesquisas mostram que mais de 20% do eleitorado ainda não decidiu em quem votar para o cargo máximo da nação.
Também estão na disputa Virginio Lema, do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), Félix Patzi, do Movimento Terceiro Sistema (MTS) e Ruth Nina, do Partido Ação Nacional Boliviana (PAN-BOL). O ex-presidente Jaime Paz, do Partido Democrata Cristão (PDC), desistiu no último dia 14 de junho de concorrer.
‘Milagre econômico boliviano’ sustenta liderança do presidente
A longevidade de Evo Morales no poder pode ser explicada por uma série de fatores. De família pobre, ele enfrentou dificuldades para estudar, trabalhou como pedreiro, vendedor de pão e agricultor, condição que o identifica com a maioria da população. O fato de ser o primeiro indígena a chegar à presidência da Bolívia, num país em que 62% das pessoas são indígenas, também o coloca em situação confortável. Mas os próprios líderes de seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), admitem que todas essas características não seriam suficientes para o sucesso político do presidente não fosse o avanço econômico e social que o país registrou nos últimos anos.
Desde quando Evo assumiu o governo, em janeiro de 2006, a Bolívia vem crescendo a uma taxa média próxima de 5% ao ano. É o maior crescimento entre todos os países da América do Sul, superando Paraguai, Chile e Uruguai, países que também tiveram bom desempenho na economia. A renda per capita dos bolivianos subiu de pouco mais de 1,1 mil dólares, em 2006, para 3,6 mil dólares em 2018.
No ano passado, a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) boliviano foi de 4,7%. Para este ano, enquanto a última previsão da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) é de crescimento de apenas 1,3% para a região, no caso específico da Bolívia a estimativa é de 4,3%.
O crescimento foi impulsionado pelas exportações de produtos primários – principalmente de gás natural e minerais (zinco, lítio) –, a destinação de parte dos recursos para políticas sociais e investimentos públicos em infraestrutura. Também foram fortalecidas as políticas de industrialização e feitos investimentos na agricultura e na pecuária, com destaque para o aumento na produção de soja.
Logo depois de assumir o governo, Evo Morales decretou a nacionalização dos hidrocarbonetos (como gás e petróleo) e iniciou um processo de renegociação de contratos com empresas estrangeiras que operavam no país. A maior parte das multinacionais assinaram novos contratos com a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos a passaram a pagar uma taxa sobre o valor da produção, o que permitiu elevar rapidamente a arrecadação do governo.
A Bolívia continua sendo um dos países mais pobres da América do Sul – 36,7% da população estava no nível de pobreza moderada em 2017 –, mas o crescimento econômico dos últimos anos possibilitou avanços em diversas áreas.
De acordo com dados do Ministério de Economia e Finanças Públicas boliviano, a taxa de desemprego no país foi reduzida para 4,3% em 2018, e a inflação ficou em 1,5%. A pobreza extrema, que atingia quatro em cada dez bolivianos em 2005, caiu para 15,2%.
Na área de educação, uma iniciativa tornou-se referência para países pobres. O programa Yo Sí Puedo (Eu sim posso) foi implantado em 2007 para ensinar a população urbana e rural a ler e escrever. Os primeiros resultados foram colhidos logo de início e agora em 2018 a taxa de analfabetismo caiu de mais de 15% para 2,9%, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).