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Criado em 2017, o Fundo Eleitoral teve orçamento de R$ 1,7 bilhão para as eleições de 2018. O valor recebeu críticas de setores da sociedade, que consideram muito alto. Dois anos depois, o montante destinado às eleições municipais de 2020 subiu para R$ 2 bilhões. Mas não parou aí: agora, para as eleições de 2022, os congressistas decidiram aplicar um reajuste de 185% na verba destinada para campanhas eleitorais, elevando o total para R$ 5,7 bilhões.
Para efeito de comparação, a inflação de 2020, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), foi de 4,5%. Em 2021, as projeções indicam que o índice deverá ficar em torno de 6,3%. Os números mostram que o índice de aumento do Fundão Eleitoral, como aprovado, é 17 vezes maior que a inflação do biênio 2020-2021.
O reajuste nesse patamar seria absurdo mesmo em um cenário em que a economia do país já estivesse recuperada, com aumento da renda per capita e crescimento do mercado de trabalho. Diante do quadro atual, com desemprego batendo recorde histórico de 14,7%, e milhares de pequenas e médias empresas em dificuldades ou falidas, os 185% de reajuste do Fundão Eleitoral é uma afronta à população.
A ganância dos parlamentares torna-se mais grave quando se verifica os cortes de gastos públicos na grande maioria das áreas, não escapando nem mesmo educação e saúde.
Fontes da área econômica do governo confirmam que grande parte dos R$ 5,7 bilhões que serão destinados às campanhas dos candidatos sairá das emendas de bancadas, identificadas como RP06. Historicamente, essas emendas têm 50% do seu montante destinado a gastos com saúde pelas prefeituras. Em plena pandemia, muitas cidades correm o risco de terem reduzidos os seus recursos para a saúde.
Outra causa de indignação em diversos setores da sociedade é o fato de o aumento do Fundão Eleitoral ter sido aprovado em uma manobra que pode ser considerada irregular. O reajuste não estava presente em nenhuma emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), e foi integrado apenas no relatório final que foi aprovado pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) antes de ser encaminhado ao plenário do Congresso para votação.
Em mandado de segurança apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF), um grupo de parlamentares contrários ao aumento argumenta que não houve tempo razoável para deliberar sobre uma "mudança tão impactante". Eles também alegam que o aumento do fundo eleitoral em um momento de pandemia "foge à razoabilidade" e "gera um esvaziamento dos direitos e garantias fundamentais da população".
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e os deputados federais Adriana Ventura (Novo-SP), Daniel Coelho (Cidadania-PE), Felipe Rigoni (PSB-ES), Tabata Amaral (PDT-SP), Tiago Mitraud (Novo-MG) e Vinicius Poit (Novo-SP) dizem que que o aumento do fundo eleitoral em um momento de crise como o atual "foge à razoabilidade" e "gera um esvaziamento dos direitos e garantias fundamentais da população".
O presidente Jair Bolsonaro, depois de declarações dúbias nos últimos dias, deu uma declaração em tom ‘oficial’ nesta terça-feira (20) de que irá vetar os R$ 5,7 bilhões. A dúvida é se ele vai contrariar o centrão e, inclusive, seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro e o deputado Eduardo Bolsonaro, que votaram a favor do aumento.
O Fundo Eleitoral foi criado para financiar as campanhas eleitorais depois que o STF proibiu as doações de empresas. O modelo antigo violava o princípio de igualdade política, considerando que pessoas com menos recursos que decidissem fazer doações não tinham como competir com o volume de doações de empresas. As doações de empresas também foram fontes de corrupção, especialmente envolvendo empreiteiras e prestadoras de serviços aos governos.
A ideia do Fundo Eleitoral foi razoável diante do quadro deteriorado em que se encontrava o financiamento de campanhas eleitorais no país, mas apenas quatro anos depois de criado, o Fundão saiu dos trilhos com a destinação de altos valores de recursos públicos para uso dos candidatos.
Além do Fundo Eleitoral, os políticos contam também com outra fonte, o Fundo Partidário, que neste ano deve atingir R$ 1 bilhão. Falta razoabilidade no jogo eleitoral brasileiro quando se trata da destinação de dinheiro da população para financiar os políticos.