Quando um adolescente se destaca nos esportes, nas artes ou em várias outras áreas, o reconhecimento do talento e do esforço é considerado natural. Por que então uma menina de 16 anos que decidiu se dedicar à defesa da preservação do meio ambiente – questão de altíssima relevância para a humanidade – se tornou alvo de ultrajadores em todo o mundo?
Nos últimos dias, os ataques e o assédio contra a jovem ambientalista Greta Thunberg atingiram níveis inaceitáveis. Do presidente dos EUA, Donald Trump, ao filho do presidente Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro, passando por colunistas de jornais e comunicadores de várias partes do mundo, o rol de detratores só cresce.
A onda de infâmia ganhou proporções assustadoras depois que a menina sueca de trancinhas no cabelo e semblante preocupado criticou na abertura da Cúpula do Clima da ONU, na segunda-feira (25), a apatia de grande parte dos líderes mundiais frente às mudanças ambientais. “Pessoas estão sofrendo, pessoas estão morrendo, ecossistemas inteiros estão entrando em colapso", disse.
A reação do presidente da nação mais poderosa do mundo foi com uma provocação no Twitter: “Ela parece uma garota jovem e muito feliz que espera um futuro brilhante e maravilhoso. Tão bonito de ver!", escreveu Trump.
Greta usou de inteligência para responder à ironia de Trump. Ela simplesmente mudou a manchete de sua biografia no Twitter: "Uma garota jovem e feliz que espera um futuro brilhante e maravilhoso".
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do presidente Jair Bolsonaro e cogitado para ser embaixador do Brasil nos EUA, foi um dos que embarcaram na onda de fake news envolvendo Greta Thunberg. O parlamentar reproduziu em seu Twitter uma imagem falsa em que a menina sueca faz uma refeição em um trem enquanto é observada por crianças africanas do lado de fora. Não bastasse a publicação da montagem grosseira que circula nas redes sociais, o deputado também afirmou que Greta é financiada pelo bilionário húngaro-americano George Soros, caracterizado como um bilionário ligado à esquerda mundial, apesar de não haver comprovação de que essa relação exista.
Outro caso que retrata os exageros com que influenciadores e líderes políticos tem se referido a Greta foi registrado em Natal, no Rio Grande do Norte. Durante a transmissão do programa 96 Minutos da rádio 96 FM de Natal (RN), o jornalista e advogado Gustavo Negreiros disse que a jovem ambientalista sueca “está precisando de sexo”. “Ela é mal-amada. Se ela também não gosta de homem, que ela pegue uma mulher, se ela for lésbica. Ela está precisando de sexo. Ela é uma histérica mal-amada. Vá fumar o seu ‘baseadozinho’, sua maconha, de volta para a Suécia”, bradou publicamente na ocasião. Foi demitido da empresa em seguida. Dois dias depois do ocorrido, o radialista fez um mea-culpa: “Estou pagando pelo meu erro. Passei do ponto, não consigo me enxergar nas palavras que disse.”
O escritor e cineasta indiano-norte-americano Dinesh D'Souza escreveu no Twitter que Thunberg o fazia lembrar das garotas da propaganda nazistas, enquanto que o analista norte-americano Sebastian Gorka disse que a ativista parecia “uma vítima de um campo de reeducação maoísta”.
Os ataques e assédios foram veiculados em grandes veículos de comunicação, como a Fox News, em que um colaborador descreveu a jovem, com síndrome de Asperger, como "doente mental". A rede se desculpou logo depois, mas, no mesmo dia do primeiro insulto, outro jornalista na Fox a comparou com os tenebrosos meninos loiros do filme Children of the Corn (no original Filhos do Milho, no Brasil, Colheita Maldita) e acrescentou: “Mal posso esperar pela sequência de Stephen King, Children of the Climate (filhos do clima).
No Brasil, alguns colunistas de jornais e sites se uniram para criticar a atuação de Greta. Para não dirigir infâmias diretamente contra a adolescente, muitos desses articulistas acusam a esquerda de fazer uso da menina. Com isso, colocam a jovem ativista no centro da disputa ideológica entre esquerda e direita.
Indicada ao Prêmio Nobel da Paz – com apenas 16 anos de idade e fluente em mais de um idioma –, Greta Thunberg tem reagido de maneira mais adulta que muitos de seus críticos. "Honestamente, não entendo por que os adultos escolhem passar o tempo zombando e ameaçando adolescentes e crianças por destacar os argumentos da ciência, quando poderiam fazer algo bom", respondeu em uma das poucas vezes que reagiu às detratações.
Fazer críticas à atuação de Greta Thunberg faz parte de um mundo democrático. Uma reportagem do jornal britânico The Times, por exemplo, revelou que, na onda ‘verde’ de Greta foram envolvidas diversas empresas, principalmente especializadas em lobby, acadêmicos e até um think tank fundado por um ex-ministro da Suécia "ligado às empresas de energia do país".
"Essas empresas estão se preparando para a maior bonança de contratos governamentais da história: o esverdeamento das economias ocidentais. Greta, quer ela ou seus pais queiram ou não, é o rosto de sua estratégia política", escreveu o jornal. A reportagem diz ainda que existem poderosos interesses econômicos por trás do movimento liderado pela menina sueca e algumas empresas cujo modelo de negócios é produzir energia sem combustíveis fósseis, coletando milhões de subsídios do governo.
A crítica embasada com dados, responsável e respeitosa é bem-vinda numa sociedade em que se preza os valores democráticos. O condenável é a baixeza, o argumento que chega ao nível da infâmia de muitos daqueles que se julgam ‘politicamente incorreto’. A incorreção política não pode servir de pretexto para desrespeitar e molestar seres humanos.